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Clima, crédito e pequenos negócios
Nova plataforma integra capacitação, ferramenta para estruturação de projetos e financiamento climático para pequenos e médios negócios
O expediente ainda não tinha terminado quando a água começou a subir pela porta da pequena loja de bairro. Minutos antes, uma tempestade forte havia caído sobre a cidade, alagando as ruas próximas e impedido funcionários e clientes de chegar. Em outro canto do País, um produtor rural via a rotina mudar com semanas de calor intenso que ressecavam parte da plantação e exigiam ajustes diários. Em Brasília, uma empreendedora da área de resíduos buscava há meses uma forma de financiar um projeto que pudesse ampliar sua operação, mas não encontrava um caminho claro para tirar a ideia do papel.
Histórias como essas se multiplicam pelo País e mostram tanto os impactos diretos do clima no cotidiano dos brasileiros quanto na vida econômica real. Também são evidências da distância que separa quem precisa investir para se adaptar aos efeitos climáticos dos instrumentos de crédito disponíveis para viabilizar essas mudanças. Para muitos, a dificuldade não está na vontade de implementar soluções, mas na etapa seguinte: a de transformar necessidades urgentes em propostas formais que possam ser analisadas pelos bancos.
Foi para reduzir essa distância que surgiu a plataforma Empreender Clima, resultado da parceria entre o BNDES, o Ministério do Empreendedorismo, o Sebrae e a OEI. Apresentada durante a COP30, ela reúne capacitação, informações financeiras e uma ferramenta de pré-enquadramento de propostas de financiamento que orienta empreendedores na montagem de projetos aptos a acessar o crédito climático.
Para Maria Fernanda Coelho, diretora de Crédito Digital para MPMEs do BNDES, o fortalecimento da plataforma acompanha o aumento expressivo dos recursos disponíveis. “Com a ampliação do Fundo Clima nos últimos dois anos, é fundamental criar mecanismos para facilitar que esse recurso chegue aos pequenos empreendimentos, tanto aos que atuam com base ambiental quanto aos que estão adaptando suas operações”, afirma.
O Fundo Clima é um instrumento muito importante para apoiar empreendimentos que contribuam para a mitigação das mudanças climáticas e adaptação a seus efeitos. Na prática, os recursos, geridos pelo BNDES, são repassados a bancos e cooperativas de crédito, para que repassem a clientes com projetos aderentes à natureza do fundo.
Se o saldo do Fundo Clima foi ampliado de 1,38 bilhão de reais em dezembro de 2022 para 11,5 bilhões de reais em outubro de 2025 – um aumento de mais de oito vezes –, o ponto crítico está na formatação das propostas. Micro e pequenas empresas seguem encontrando dificuldades para estruturar projetos de investimento alinhados às exigências técnicas dos bancos que repassam os recursos do Fundo Clima. A ferramenta de pré-enquadramento foi criada justamente para resolver essa etapa inicial, que historicamente dificultava o acesso ao crédito verde.
Durante a navegação, o empreendedor responde a perguntas objetivas, apresenta dados da empresa e descreve o investimento desejado. A plataforma cruza essas informações com as linhas disponíveis no Fundo Clima e gera um documento já compatível aos requisitos exigidos pelo BNDES aos bancos parceiros. Esse arquivo pode ser levado diretamente a esses bancos credenciados para análise. “A ferramenta mostra que o Fundo Clima é adequado também para empresas menores, guiando o empreendedor até que ele tenha um projeto pronto para ser apresentado”, explica Maria Fernanda.
A distribuição do crédito depende de uma rede de mais de 80 instituições financeiras parceiras do BNDES. Já participam dela Bradesco, BDMG, BRDE, Banrisul e Desenbahia. A meta é ampliar a capilaridade e atingir desde as empresas urbanas até empreendimentos localizados em zonas rurais ou mesmo em áreas de preservação, como os negócios da cadeia da bioeconomia, manejo sustentável e de produção em sistemas agroflorestais afetados por eventos climáticos que exigem investimentos urgentes em adaptação.
“O Empreender Clima reforça o compromisso do BNDES com os pequenos e médios negócios. Nos primeiros nove meses do ano, 67% do crédito que injetamos na economia chegou às MPMEs. Agora, queremos ampliar o acesso ao financiamento climático. A plataforma mostra que a economia verde não é um nicho, mas uma agenda que já faz parte do cotidiano de quem empreende no Brasil”, disse o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
As condições do Fundo Clima incluem taxas de menos de 5%, em modalidades como Florestas Nativas e Recursos Hídricos, até perto de 13% ao ano para energia solar. Os financiamentos podem chegar a 25 anos, com carências de até 8 anos. O BNDES estuda reservar recursos específicos para micro e pequenas empresas e ampliar o uso de fundos garantidores, reduzindo entraves de risco de crédito. “O desafio é garantir o acesso das empresas menores, que costumam enfrentar mais barreiras”, afirma a diretora.
Do lado da capacitação, o Sebrae enxerga a plataforma como ponto de virada. Para Décio Lima, presidente da instituição, ainda existe uma sensação de que o tema climático está distante da rotina dos pequenos negócios. A plataforma ajuda a derrubar essa percepção, conectando informação, formação técnica e orientação sobre linhas de financiamento. “Os empreendedores já reconhecem a necessidade de se adaptar e de inovar. A plataforma nos permite reunir conteúdos, apoio técnico e trilhas de conhecimento em um único espaço, aproximando esses negócios das oportunidades”, afirma.

Maria Fernanda Coelho, diretora do BNDES – Imagem: Fabricio Menicucci
Os cursos disponíveis abordam economia circular, gestão de resíduos, eficiência energética, cadeias de suprimentos verdes e caminhos de acesso ao crédito climático. A capacitação também ensina a transformar necessidades locais em projetos estruturados.
Para o Sebrae, a expectativa é de que o Empreender Clima ajude a formar uma nova geração de empreendedores preparados para atuar em negócios alinhados à agenda ambiental. “Sem os pequenos negócios, a transição não acontece. Eles são a base da economia e também os mais afetados pelos eventos climáticos”, diz Décio.
O BNDES planeja expandir o pré-enquadramento para outros setores ligados ao clima. O primeiro piloto é voltado a projetos de resíduos sólidos, mas já está em desenvolvimento a extensão para agroflorestas, bioeconomia, manejo sustentável de madeira e outras tipologias. O Banco também avalia criar um modelo de apoio semelhante para municípios.
A combinação entre crédito acessível, capacitação e suporte técnico materializa um movimento que reposiciona a relação entre desenvolvimento e sustentabilidade. A plataforma aproxima o Fundo Clima da base empreendedora e reforça uma transformação em curso: negócios de pequeno porte passam a ter maior condição de acessar financiamentos normalmente mais direcionados a grandes empresas.
Com a ampliação dos recursos, a mudança de escala torna-se perceptível no mercado e o crédito verde deixa de ser exceção para ganhar força, interiorizar-se e tornar parte da agenda cotidiana de quem empreende. O Empreender Clima nasce nesse encontro entre oportunidade financeira, necessidade ambiental e capacidade de inovação dos pequenos negócios brasileiros. •
Publicado na edição n° 1391 de CartaCapital, em 10 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Clima, crédito e pequenos negócios’