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Tulipa artificial

Todas as bolhas começam com inovações alavancadas, mostram o subprime, as criptomoedas, a febre de IA

Tulipa artificial
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A Nvidia, líder em Inteligência Artificial e data centers, vale 5 trilhões de dólares na Bolsa – Imagem: iStockphoto
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Em fevereiro de 2000, a Bolsa de Valores Nasdaq fez um IPO (oferta pública de ações) para a Pets.com, um site de produtos para cães. O IPO tornou-se  símbolo da bolha das ações que comandou o episódio conhecido como bolha dot.com. Naquele momento, o IPO levantou 82,5 milhões de dólares para financiar um site de produtos para cachorros.

Em novembro de 2000, após 268 dias, a empresa faliu. Ganhou as honras  de episódio-símbolo do  estouro da bolha dot.com.

Há muita discussão sobre a bolha das ações de empresas de Inteligência Artificial (IA). As ditas “Sete Magníficas” são uma paródia do filme Sete Homens e um Destino. Um grupo de sete pistoleiros mercenários foi contratado para defender um vilarejo e conter as investidas de bandidos.

Os indicadores financeiros suscitam dúvida: quem são os pistoleiros? E os bandidos? Vamos ousar uma explicação em linguagem “técnica”. São dois os indicadores universais para avaliar se a ação está cara ou barata: 1. O índice preço-lucro (P/L), que calcula o prazo de retorno do capital investido. 2. O valor patrimonial por ação (VPA), que indica quanto a empresa vale pelos resultados contábeis inscritos no balanço, não pelo valor negociado em Bolsa.

Os indicadores da Nvidia Corporation, a mais magnífica entre as Sete Magníficas, apresentam um P/L de 53 anos, um P/VPA de 45 vezes e um VPA de 4,10 dólares por ação. Se você, leitor, investir nessa nuvem, saiba que terá de aguardar 53 anos para obter retorno sobre o capital investido. Já os preços da ação na Bolsa estão 45 vezes acima do seu valor patrimonial, isto é, do quanto a empresa contabilmente vale, muito diferente do seu valor na Bolsa de Valores.

O preço da ação da Nvidia na Bolsa de Valores, neste momento, está em torno de 180 dólares. A máxima de 2025 atingiu 212 dólares por ação. Entre 2000 e 2015, o preço das ações da Nvidia variou entre 0,50 e 1 dólar por ação. Em meados de 2018, o preço atingiu 7 dólares por ação, o que representou 700% de valorização. Na sequência: 2021, 22 dólares por ação. Em 2023, 48 dólares por ação. Em 2024, 80 dólares por ação. Até atingir o preço máximo de 212 dólares por ação, em setembro de 2025.

Desde 2000, a valorização foi de 21,200%. O lucro nesse período não acompanhou o preço da ação no mercado. Isso tem feições de bolha. A ­Nvidia vale 5 trilhões de dólares na Bolsa de Valores. Segundo o P/VPA, ela está sendo negociada 45 vezes acima do valor patrimonial, aquele constante no balanço.

Vejamos os indicadores das demais Magníficas: Apple apresenta um (P/L) de 36 anos, Amazon (P/L) de 31 anos, ­Alphabet (P/L) de 29 anos, Tesla (P/L) de 278 anos, Meta (P/L) de 26 anos e ­Microsoft (P/L) de 34 anos. Pelo indicador (P/L), todas as ações das Sete Magníficas estão com preços nas nuvens.

Para cada 100 dólares invertidos, o retorno previsto ocorrerá em 30 anos. Alguns imaginam que, para não caracterizar uma bolha, o lucro líquido deveria acompanhar a alta de preços dessas ações na mesma proporção. Ilusões Perdidas, diria Balzac.

Na histeria especulativa, homens enlouquecem em bandos, mas só recuperam os sentidos um a um

Michael Cembalest, da JP Morgan ­Asset Management, observa: ações relacionadas à IA representaram 75% dos retornos do S&P 500, 80% do crescimento dos lucros e 90% do crescimento dos gastos de capital desde o lançamento do ChatGPT, em novembro de 2022. S&P 500 é o índice da Bolsa de Chicago, composto pelas 500 maiores empresas americanas.

Outra questão interessante é a teia de aranha entre a Nvidia, a Microsoft, a ­Oracle, a OpenAI e o Google, todas elas com negócios e aportes financeiros bilionários.

O Financial Times observa: “Então, vamos esclarecer as coisas: a OpenAI agora está adquirindo uma participação de 10% na empresa AMD, enquanto a Nvidia está investindo 100 bilhões de dólares na OpenAI; e a OpenAI também conta com a Microsoft como um de seus principais acionistas, mas a Microsoft também é um grande cliente da empresa de computação em nuvem de IA CoreWeave, que é outra empresa na qual a Nvidia detém uma participação acionária significativa; e, aliás, a Microsoft representou quase 20% da receita da Nvidia em base anualizada, até o quarto trimestre fiscal de 2025. Em menos de três anos, a OpenAI passou de um jogo de salão a um pilar da economia global”.

Ainda segundo o Financial Times, o fundo de hedge de Peter Thiel, Thiel ­Macro, eliminou toda a sua exposição à Nvidia no terceiro trimestre, de acordo com documentos recentes que apresentaram um panorama das participações no fim de setembro. Peter Thiel, fundador do PayPal e patrocinador do vice-presidente americano JD Vance, também foi organizador e mentor da influência do Vale do Silício na Casa Branca.

Todas as bolhas começam com inovações, sejam financeiras, sejam tecnológicas, sempre impulsionadas pelas forças da “alavancagem”.

Jeffrey A. Sonnenfeld e Stephen ­Henriques escrevem sobre a obra clássica de Charles Mackey, Extraordinary ­Popular Delusions and the Madness of Crowds. No livro publicado em 1841, Charles Mackey examinou o comportamento das multidões e a histeria coletiva ao longo da história. Desde a Mania das Tulipas holandesas da década de 1630 até a busca obsessiva da humanidade pela transmutação de metais básicos em ouro.

Embora Mackey tenha escrito seu livro em 1841, a mania da IA continua a validar sua conclusão: “Homens… pensam em bandos; será visto que eles enlouquecem em bandos, enquanto só recuperam os sentidos lentamente, um a um”.

A história ensina que eventos são semelhantes, mas não iguais. As bolhas começam e terminam da mesma maneira. Desde a bolha das tulipas na Holanda, a doideira coletiva vai repetir-se no esquema do Mississippi e nas desventuras da Companhia dos Mares do Sul de John Law.

No livro, Mackey fala de John Law: “Depois do estouro da Bolha dos Mares do Sul, ‘alguns historiadores consideraram John Law um canalha, outros, um louco’. Ambos os epítetos lhe foram aplicados em vida com profusão, enquanto ainda se sentiam profundamente as consequências infelizes de seus projetos. A posteridade, porém, encontrou motivos para duvidar da justiça da acusação, bem como para confessar que John Law não foi nem um canalha nem um louco, mas alguém que foi enganado em vez de enganar, foi vítima do pecado em vez de pecar”.

Esse pecado coletivo também contaminou as fraudes nas estradas de ferro no século XIX, até culminar no famoso esquema Ponzi. Na sequência, surgiram Bernie Madoff, o subprime, as criptomoe­das e as criptotulipas, até alcançar a febre da Inteligência Artificial. •

Publicado na edição n° 1391 de CartaCapital, em 10 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tulipa artificial’

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