Renato Meirelles

Comunicólogo, presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Data Favela, autor de 'Um País Chamado Favela' e 'Como Ser Uma Empresa Antirracista'

Opinião

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A blusinha que sai cara

Brasileiros querem isonomia tributária na disputa com empresas estrangeiras e incentivo à produção nacional

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No Brasil, até para comprar uma blusinha na internet a gente esbarra na velha pergunta: quem está pagando essa conta? Quando o consumidor vê um produto vindo do outro lado do mundo custar menos do que aquele da loja do bairro, não é milagre do aplicativo. É desequilíbrio de regras. Em economia, “desconto mágico” quase sempre significa alguém subsidiando alguém. E, nesse caso, quem banca a diferença é o emprego aqui e a arrecadação que paga escola, saúde e transporte.

Pesquisa recente do Instituto Locomotiva, em parceria com a ABVTEX, joga luz nesse nó tributário. Ao contrário da teoria de que “o povo quer tudo barato, não importa de onde venha”, os números mostram outra coisa: o brasileiro quer justiça nas regras. E, se tiver algum benefício, ele acha que deve ser para quem produz e gera emprego no País, não para as gigantes estrangeiras.

Comecemos pelo básico: 83% dos brasileiros consideram injusto que produtos fabricados no Brasil paguem mais impostos do que os produzidos em outros países. E 85% dizem que é errado que aquilo que é feito e vendido aqui seja mais tributado do que o que é fabricado lá fora e importado por sites internacionais. Não é detalhe técnico, é senso de justiça tributária.

Quando se pergunta como deveria ser a cobrança, a resposta vem sem rodeios: 61% defendem que os produtos nacionais paguem menos impostos do que os importados, 27% aceitariam que paguem o mesmo, apenas 12% acham certo pagarem mais. Em outras palavras: a população não pede privilégio, mas isonomia com um empurrãozinho a favor de quem gera emprego aqui.

A percepção de dano econômico é generalizada. Para 81%, é ruim para a economia brasileira que empresas estrangeiras paguem menos impostos do que as nacionais. E 80% concordam que, quando se cobram mais impostos das nossas empresas do que das estrangeiras, a economia do País é prejudicada. Não é teoria, é leitura do dia a dia de quem vê loja fechar e amigo perder o emprego.

Daí para o mercado de trabalho é um pulo. Para 78%, se os produtos fabricados e vendidos no Brasil pagarem mais impostos que os estrangeiros, estamos incentivando empregos fora do País e correndo o risco de reduzir o emprego dos brasileiros. Outros 75% vão além: cobrar mais das nossas empresas tira emprego e renda dos trabalhadores. E 74% dizem ter medo de que o próprio trabalho ou renda sejam prejudicados se essa desigualdade continuar.

Ao mesmo tempo, 86% concordam que, num mundo em que cada vez mais países defendem suas economias, o Brasil deveria fazer o mesmo. E isso não é um pedido por muro, é um pedido por coerência. Para 79%, os governantes deveriam trabalhar pela competitividade das empresas brasileiras. E 84% defendem que o governo promova medidas para proteger e desenvolver a indústria e o varejo do País, sem cobrar mais impostos das empresas nacionais do que das estrangeiras.

Aí fica evidente o tamanho do erro de quem, em Brasília, acredita que isentar as plataformas internacionais de pagar impostos rende algum benefício político. A pesquisa mostra que mais de oito em cada dez eleitores afirmam que não votariam em um candidato que defenda dar privilégios a empresas estrangeiras em comparação às brasileiras. A questão não é só tributária, é também de proteção ao consumidor. Nada mais lógico: se o varejo nacional é cobrado por Inmetro, Anvisa e Código de Defesa do Consumidor, 89% dos brasileiros acham que os produtos importados vendidos aqui também devem obedecer a esses mesmos padrões. E não é paranoia: 75% concordam que muitos consumidores são enganados por produtos piratas ou falsificados vendidos em plataformas internacionais.

Mesmo assim, ninguém propõe fechar a porta ao mundo. A maioria dos internautas fez compras em sites internacionais nos últimos três meses. Os dados contam uma história simples, que o debate público insiste em complicar: o problema não é o consumidor poder escolher entre o que vem daqui e o que vem de fora. O problema é o Estado tratar melhor quem não gera emprego aqui do que quem paga salário, aluguel, imposto e folha no Brasil. O brasileiro não quer ser proibido de comprar lá fora. Quer deixar de ser feito de bobo aqui.

No fim, a verdadeira “taxa das blusinhas” não é a que aparece na tela do celular. É a conta social de escolher, com isenções e brechas, entre fortalecer quem produz no País ou subsidiar o avanço de plataformas que tratam o Brasil apenas como mercado, não como casa. E, diante dessa escolha, a pesquisa é clara: a população já sabe de que lado está, do lado da isonomia tributária, do emprego e do orgulho de dizer, na ceia de Natal: “Esse presente aqui é brasileiro”. •

Publicado na edição n° 1391 de CartaCapital, em 10 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A blusinha que sai cara’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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