Opinião
Messias no Supremo
A indicação favorece o propósito de chancelar novas etapas do processo de amadurecimento do Judiciário como instrumento democrático
A indicação de Jorge Messias, advogado-geral da União, ao Supremo Tribunal Federal ocorre em um momento singular da história do Poder Judiciário no Brasil. Sufocada pelo autoritarismo do Executivo durante o período ditatorial, nossa Corte, mesmo durante a retomada da democracia, seguiu atada a ditames de uma elite conservadora que, invariavelmente, se agarra à manutenção de seus privilégios nas tratativas de poder no País. Por longo tempo, muitos, equivocadamente, enxergaram o Judiciário como um apêndice do Executivo, algo característico de regimes totalitários. Com o fim da ditadura, nossa Corte aos poucos precisou retomar a ciência de seu verdadeiro papel de guardiã dos princípios constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Recentemente, foi intenso o debate sobre a atuação do STF no julgamento dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Enquanto parcela da direita acusava o processo de ser uma “caça às bruxas”, analistas como aqueles da publicação inglesa The Economist detectavam um marco de “maturidade democrática”, ou um exemplo de democracia, inclusive, para os Estados Unidos.
Estamos diante, então, ao que tudo indica, de uma evolução institucional do Poder Judiciário como tal.
Neste contexto, a indicação de um nome para compor o Supremo Tribunal Federal é parte integrante e fundamental dessa linha evolutiva. É dessa maneira, em primeiríssimo lugar, que deve ser considerado um ato desse porte, para além de recortes momentâneos de disputas políticas, rejeições pontuais ou vieses de vaidades pessoais. Havemos, sim, de pensar, de fato, na consolidação da autonomia do Judiciário, no exercício pleno do papel protagonista no trato de grandes temas regulados por nossa Constituição. É algo estabelecido nas democracias desenvolvidas, mas que, por aqui, ainda parece causar certa estranheza. A ponto de a firmeza institucional da Corte ser por muitos interpretada como ativismo judiciário ou extrapolação de atribuições.
Quando analisamos a adequação de um indicado ao STF, obviamente também o fazemos sob a perspectiva de convergências políticas e ideológicas. Mas o direcionamento da escolha passa, antes de tudo, pela competência e pelo histórico de realizações do pleiteante ao posto.
Messias possui currículo formativo invejável. Trata-se de um profissional altamente qualificado, com graduação pela Universidade Federal de Pernambuco e doutorado pela Universidade de Brasília. É advogado da União, cujo ingresso deu-se por meio de concurso que exige grande preparo, concretizando um significativo tempo de exercício e consolidando-se, a meu ver, como o melhor AGU destas últimas décadas. Seu saber jurídico é inquestionável e, ao longo de anos, esteve a serviço de vários cargos estratégicos, como o de procurador da Fazenda Nacional, função que exerce desde 2007. Também já foi subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação e consultor jurídico dos ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação.
A construção de uma carreira que dedica seus profundos conhecimentos técnicos aos interesses da União me soa como um justificado argumento para a confiança depositada em seu nome pelo presidente Lula. Para alguns, essa suposta proximidade é motivo de crítica, como se confiabilidade estivesse necessariamente atrelada à busca de algum tipo de favorecimento pessoal. Está, na verdade, ligada à demonstração cotidiana de equilíbrio e coerência em posicionamentos que consolidam o perfil de Messias como o de um defensor dos direitos fundamentais. A parceria firmada pela AGU com as defensorias públicas dos estados e do Distrito Federal é um exemplo de iniciativa encabeçada pelo indicado que visa à proteção dos mais vulneráveis.
Trata-se de um jurista aberto ao diálogo, que busca conduzir com sensatez temas de maior complexidade para a sociedade brasileira. Seu rigor técnico torna-se um atributo fundamental, especialmente em um momento histórico que, marcado pelo extremismo, requer uma sólida capacidade de proteção contra distorções ideológicas de quaisquer vertentes.
Talvez aí resida o furor da resistência à sua indicação: a ciência, por parte dos incomodados, de que a opção por Messias favorece o propósito de chancelar novas etapas de amadurecimento de nosso Judiciário como instrumento da democracia. •
Publicado na edição n° 1391 de CartaCapital, em 10 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Messias no Supremo’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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