Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

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O clima na UTI

Na COP30, o Brasil dá um passo inédito ao lançar um plano que reconhece a emergência climática como uma questão também sanitária

O clima na UTI
O clima na UTI
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
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Não é de hoje que sabemos: o planeta está muito doente. Mas, como acontece com os corpos enfermos e febris, nas periferias brasileiras a temperatura do planeta atinge primeiro, de forma mais violenta, os organismos mais vulneráveis.

Na COP30, em Belém, o Brasil deu um passo inédito ao reconhecer que a emergência climática é também sanitária. O Plano de Ação em Saúde de Belém para a Adaptação do Setor da Saúde às Mudanças Climáticas, lançado pelo Ministério da Saúde, é mais que uma agenda técnica: é um ato político de sobrevivência, em defesa da vida e do planeta.

Por muito tempo, o debate climático foi sequestrado pelos gabinetes e especialistas da economia e da área de energia. O setor da saúde, embora em silêncio, já vinha sentindo os sintomas: epidemias de dengue e chikungunya, ondas de calor matando idosos e trabalhadores, incêndios produzindo destruição e graves doenças respiratórias, desastres naturais desabrigando comunidades e colapsando unidades de saúde.

O Plano de Belém quebra esse silêncio, reconhecendo a saúde como um setor estratégico da adaptação climática, articulando ciência, vigilância, infraestrutura e justiça social. E o faz tendo o Sistema Único de Saúde (SUS) como linha de frente do enfrentamento climático.

O Plano parte de evidências científicas. O Brasil já enfrenta os efeitos das mudanças climáticas e o setor da saúde precisa agir. Para isso, são propostas ações articuladas e integradas em cinco frentes:

1. Educação e capacitação da força de trabalho: gestores, médicos, enfermeiros, agentes comunitários e outros profissionais de saúde devem ser preparados para reconhecer e atuar diante dos impactos climáticos sobre a saúde – da insolação à insegurança alimentar, das enchentes às doenças respiratórias.

2. Vigilância e monitoramento ambiental e sanitário: por meio da criação de sistemas integrados que combinem dados meteorológicos, ambientais e epidemiológicos, possibilitando respostas rápidas a eventos extremos e surtos.

3. Infraestrutura resiliente: adaptando unidades de saúde para resistir a desastres, reforçando estruturas físicas, garantindo abastecimento energético ou assegurando acesso a água potável e saneamento.

4. Gestão sustentável dos serviços de saúde: o Plano propõe transformar o próprio SUS em modelo de sustentabilidade ambiental, com redução de emissões, uso racional de recursos e logística verde.

5. Participação social e equidade: as populações tradicionais, povos indígenas, ribeirinhos e moradores de periferias urbanas são os mais expostos e o Plano reconhece esses grupos como atores centrais – não apenas vítimas – na construção de políticas adaptativas.

Belém não foi escolhida por acaso. Porta de entrada da Amazônia, a cidade simboliza os paradoxos e as potências do Brasil climático. Na Amazônia se concentram os maiores riscos e as maiores esperanças. O lançamento do Plano no território amazônico sinaliza uma inflexão: o Brasil quer liderar pela coerência, não mais pelo negacionismo ou omissão.

O documento de Belém é um chamado à ação interfederativa e intersetorial. Convoca estados e municípios, universidades, comunidades tradicionais, gestores e profissionais de saúde a incorporar a dimensão climática em suas rotinas e planejamentos. E propõe a criação de uma Política Nacional de Saúde e Clima, com orçamento próprio, metas definidas e monitoramento constante.

Enfrentar as mudanças climáticas a partir da saúde é recolocar a vida no centro das decisões políticas e reconhecer que a transição ecológica precisa ser inclusiva, popular e orientada pela equidade. E ninguém está melhor posicionado para isso que o SUS, que deve comprometer-se explicitamente com o clima como uma nova fronteira da justiça social.

O Plano de Belém é ponto de partida e início dessa jornada. Mas sem compromisso orçamentário, articulação interfederativa e uma consistente mobilização e pressão social e política, pode virar mais uma carta de intenções. Cabe a nós – militantes do SUS, gestores e trabalhadores – e a cada cidadão brasileiro transformar esse plano em ação concreta, cotidiana e inovadora.

Afinal, a emergência climática não é apenas ambiental. Ela é, sobretudo, humana. E salvar o planeta passa, antes de tudo, por salvar as pessoas – com justiça, ciência e coragem. •

Publicado na edição n° 1391 de CartaCapital, em 10 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O clima na UTI’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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