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Alemanha cria tribunal para arte saqueada no nazismo

Corte de arbitragem deve facilitar a restituição de obras de arte saqueadas. Estima-se que até 600 mil obras de arte foram roubadas durante a era nazista

Alemanha cria tribunal para arte saqueada no nazismo
Alemanha cria tribunal para arte saqueada no nazismo
A obra Retrato de Dama, do pintor italiano Giuseppe Vittore Ghislandi (1655-1743), roubada por nazistas de um colecionador judeu, reapareceu na Argentina, em um anúncio de um imóvel à venda. Foto: Reprodução/Robles Casas & Campos
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A restituição de obras de arte saqueadas pelos nazistas deverá ficar mais fácil na Alemanha a partir desta segunda-feira 1º, quando começar a funcionar uma recém-criada corte de arbitragem para esse fim.

A corte decidirá sobre a restituição de bens culturais em casos contestados. Um pré-requisito é que esses itens tenham sido confiscados de seus proprietários durante a era nazista devido à perseguição, o que se aplica principalmente a bens pertencentes a judeus.

A corte foi nomeada em setembro e inclui especialistas nas áreas de direito, história e história da arte, num total de 36 juízes. Os presidentes são Elisabeth Steiner, ex-juíza do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e Peter Müller, ex-governador do Sarre e ex-juiz do Tribunal Constitucional Federal.

O presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Josef Schuster, saudou a criação da corte, mas disse que ainda é necessária legislação adicional para que as reivindicações de bens culturais hoje em propriedade privada tenham uma base legal.

Mesmo que nem todas as questões legais relativas à restituição de bens culturais tenham sido resolvidas, o ministro alemão da Cultura, Wolfram Weimer, disse esperar que a corte de arbitragem impulsione o processo de reparação histórica. “Com isso, estamos enviando um sinal claro: o Estado assume sua responsabilidade histórica”, enfatizou.

Solução anterior não foi bem-sucedida

A Alemanha já havia tentado encontrar uma solução legal em anos anteriores. Em 2003, foi criada a Comissão Consultiva sobre Arte Saqueada pelos Nazistas para lidar com as disputas, mas ela concluiu apenas 26 casos.

“O fato de a comissão ter lidado com relativamente poucos casos de arte saqueada não se deve a nenhuma deficiência em seu trabalho, mas ao fato de não ter recebido mais casos”, argumentou o presidente da comissão, Hans-Jürgen Papier.

A razão, explicou, era que a comissão não podia ser acionada unilateralmente pelas vítimas, ao contrário da nova corte.

Além disso há muitos casos complexos e controversos, acrescentou Papier. Muitos apresentam significativas “lacunas de proveniência” – em algum ponto dos períodos nazista e pós-Guerra, a origem de uma obra de arte se perde.

Para os descendentes das vítimas, a restituição é difícil também por relutância das instituições alemãs. Muitas famílias vivenciam há anos um “padrão de ignorância, posição defensiva e atraso”, segundo o advogado Markus Stötzel.

Quantas obras estão em disputa?

Estima-se que até 600 mil obras de arte foram saqueadas durante a era nazista. Dificilmente alguma disputa de restituição é tão acirrada quanto a que envolve as obras do galerista judeu Alfred Flechtheim (1878-1937).

Quando fugiu da Alemanha nazista em 1933, ele teve que deixar para trás sua coleção de obras de pintores famosos, de Pablo Picasso a Max Beckmann. Flechtheim morreu na pobreza, exilado em Londres, em 1937. Instituições como o Museu Ludwig de Colônia, o Museu Guggenheim de Nova York e o Moderna Museet de Estocolmo devolveram obras avaliadas em milhões aos herdeiros deles.

Porém, eles vêm lutando há anos, em vão, por pinturas de coleções estaduais nos estados alemães da Baviera e da Renânia do Norte-Vestfália. Os advogados dos herdeiros exigem há cerca de dez anos a devolução da pintura A Noite (1918/19), de Beckmann, da coleção de arte do estado renano.

Somente na Renânia do Norte-Vestfália, os advogados avaliam que haja pelo menos uma dúzia de outras obras de arte da coleção de Flechtheim, e mais de cem em todo o país, que possam ser alvo de pedidos de restituição.

O caso mais notório na Baviera é a disputa pela pintura Madame Soler, de Picasso. Desde 2009, os descendentes do colecionador de arte Paul von Mendelssohn-Bartholdy exigem a devolução dela da coleção do estado.

Eles não puderam recorrer à extinta comissão consultiva porque a Baviera não concordou. Do ponto de vista do Estado, o caso não envolve arte saqueada. Agora, o caso deve ir parar na nova corte.

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