

Opinião
Desventuras futebolísticas
O anúncio das mudanças no calendário me fez lembrar de uma viagem, pelo Santos, em que um hotel, com medo de balbúrdia, se recusou a nos receber
A final da Conmebol Libertadores entre dois gigantes brasileiros, Palmeiras e Flamengo, está chegando com o calor do verão, que esquenta o clima pelo País inteiro.
Os dois clubes vêm encarando um calendário apertado e chegam à finalíssima, neste sábado 29, cada um à sua maneira.
Na rodada anterior à decisão, o técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, não escondeu o jogo: ele declarou que o Brasileirão já estava praticamente definido e optou por poupar completamente o time titular contra o Grêmio, na terça-feira 25, levando só alguns reservas para o banco.
Em entrevista, Abel soltou a expressão, meio ambígua, de que “muita coisa mudou depois do jogo entre o Palmeiras e o São Paulo”, citando vários lances das últimas rodadas.
Ficou nítida a escolha: chegar à disputa final da Liberta com a equipe inteira e nas melhores condições possíveis.
O outro jogo do Brasileirão, em Belo Horizonte, entre Flamengo e Atlético Mineiro, até começou em clima de dúvida, com o placar aberto pelo Verdão na partida contra o Grêmio. Mas a previsão se confirmou: a derrota do Palmeiras veio.
A partir disso, o Flamengo – que empatou com o time mineiro – poderá festejar a conquista do título brasileiro no próximo encontro.
Ao mesmo tempo, o time carioca, que já enfrenta problemas com jogadores em recuperação, chega à decisão deste sábado, em Lima, no Peru, mais desgastado – o que pode ser um fator decisivo. No entanto, o Mengão tem elenco e é um time caracterizado pela pressão da massa.
É sempre bom lembrar do absurdo de marcarem um jogo, ainda mais dessa importância, no meio da semana decisiva da disputa mais relevante das Américas.
O próprio Abel Ferreira destacou na entrevista: “A CBF é uma coisa e a Conmebol é outra”, em referência às diferentes administrações das entidades e à repercussão disso em campo.
Resta sempre a pergunta: onde ficam os jogadores, mesmo em minoria, quando são tomadas decisões que impactam diretamente suas vidas dentro e fora dos campos?
Nesta semana, o novo calendário do futebol brasileiro foi anunciado publicamente. Entre as mudanças a serem implantadas a partir de janeiro estão a duração do Brasileirão de janeiro a dezembro e a valorização e inclusão dos campeonatos regionais em alguns casos.
A Copa do Nordeste – a Lampions League – sempre foi uma disputa espetacular.
Desta vez, no entanto, ficará sem o Bahia por conta de sua classificação em outro torneio.
A Copa do Brasil passará a abrigar 126 – e não mais 92 – clubes em 2026 e 128 em 2027.
Foi citada a intenção de que os jogadores dos chamados clubes de “elite” tenham um número menor de partidas por temporada, algo que, se confirmado, será louvável.
Outro ponto positivo realçado pelo novo presidente da CBF, Samir Xaud, foi a atenção a situações importantes que sempre foram desconsideradas, como a preocupação com a locomoção dos torcedores e as condições de transporte, hospedagem e alimentação dos profissionais – jogadores, comissão técnica, imprensa etc.).
Esses detalhes me trazem à memória um jogo da época em que estive no Santos.
Lembro de quando, na marra, o Campeonato Brasileiro, de uma hora para outra, passou a contar com cem equipes.
Fomos jogar numa capital do Nordeste onde vários times foram incluídos pelo interesse político, sob o argumento de “integração nacional”.
Chegamos ao hotel, com o Rei Pelé, Carlos Alberto Torres, Clodoaldo e outros campeões na véspera do jogo.
O problema é que a direção do hotel se recusou a nos receber, dizendo que não aceitaria mais delegações de futebol porque o time que jogara na rodada anterior havia feito uma bagunça danada no estabelecimento.
Naquela época, a toda hora, encontrávamos times diferentes nos aeroportos. Chegávamos a viajar no mesmo avião, com cada equipe indo para um lugar diferente.
Fomos deslocados para outra hospedaria, que não tinha restaurante próprio. As refeições tinham de ser feitas em outro local.
Pense bem: isso acontecia com o Santos, que aproveitava todas as brechas entre jogos oficiais para excursionar pelo mundo, e que sempre que tem jogos fora da cidade, precisa subir a Serra do Mar para os aeroportos.
Essas coisas, geralmente, não são contabilizadas nos cálculos da cartolagem.
Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Desventuras futebolísticas’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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