Paulo Artaxo

Cientistas e pesquisador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP.

Opinião

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Avanços pontuais

A conferência do clima em Belém falha, porém, no ponto central, a transição dos combustíveis fósseis

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Indígenas protestando na COP30, em Belém. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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A COP30 chega ao fim com alguns avanços importantes em áreas como financiamento e adaptação, mas sem chegar a acordos que definam a “rota do caminho” para o fim do uso dos combustíveis fósseis no planeta. O presidente da conferência lançou um “mutirão global”, basicamente um chamado à ação coletiva contra as mudanças climáticas, retomando o multilateralismo. Tivemos 195 países em Belém, os Estados Unidos foram a única exceção. Tivemos também uma ampliação da participação social, com maior reconhecimento dos papéis de populações tradicionais, comunidades indígenas, mulheres e governos subnacionais, o que reforça a dimensão da justiça climática e da inclusão nas decisões globais. A ciência esteve fortemente presente, no Pavilhão da Planetary Science, pela primeira vez em uma COP.

As questões econômicas e geopolíticas, bem como o lobby da indústria do petróleo, dominaram as discussões e os textos finais. O sistema de aprovação de documentos da ONU, em que tudo deve ser aprovado por consenso, torna impossível aprovar medidas relevantes. Como conciliar os interesses de curto prazo de países produtores de petróleo, como a Arábia Saudita, com aqueles das nações que vão desaparecer do mapa devido ao aumento do nível do mar? Os interesses econômicos da indústria do petróleo no curto prazo foram mais fortes do que os de 8 bilhões de seres humanos afetados pelas mudanças climáticas.

Um foco importante explicitado pelo presidente Lula no discurso de abertura foi a necessidade da construção de um mapa do caminho para a humanidade se livrar dos combustíveis fósseis de modo justo e rápido. O embaixador André Corrêa do Lago enfatizou, dezenas de vezes, a necessidade de uma resolução nesse sentido. Mas o lobby da indústria de petróleo falou mais forte e o documento final nem sequer menciona os combustíveis fósseis. Por outro lado, 80 países apoiaram uma moção sobre a transição energética. A Colômbia, inclusive, vai organizar uma conferência pré-COP31, em maio, para trabalhar essa questão em uma moção na COP31. A ideia é elaborar um road map com um acordo vinculante. O curioso é que a geração de eletricidade solar e eólica hoje é, em geral, mais barata do que a queima de combustíveis fósseis.

Foi criado um Global Implementation Accelerator, que deve priorizar ações com maior potencial de impacto rápido, tais como reduções de emissões de metano, remoção de carbono por meio de soluções baseadas na natureza, aceleração da implementação de energias renováveis etc.

Na questão do financiamento, o documento final indica o compromisso de triplicar os recursos destinados à adaptação climática até 2035, medida essencial para apoiar populações mais vulneráveis. Mas não há um plano de compromissos dos países nesse sentido.

A questão da eliminação do desmatamento até 2030 também ficou de fora, embora o mecanismo chamado TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre), de financiamento para manter as florestas em pé tenha arrecadado cerca de 6 bilhões de dólares, incentivo importante para os países implementarem programas de desmatamento zero.

Ficou claro que precisamos de muita pressão social. É importante salientar a relevância de mantermos o Acordo de Paris. Sem as reduções de emissões estabelecidas nele estaríamos em um cenário de aumento médio da temperatura de 4,3 °C, segundo o IPCC em seu relatório AR3. Hoje, caminhamos rumo a um aquecimento global médio de 2,8 °C. Com isso, o Brasil, como país tropical e de dimensões continentais, pode ter um aumento médio da temperatura de 3,5 °C a 4 °C. Temos que evitar esse cenário a todo custo.

A COP30 deixou um legado misto: avanços inéditos na participação social e em mecanismos de implementação (adaptação e financiamento), mas lacunas graves na questão central, uma rota de caminho para o fim dos combustíveis fósseis. A conferência também deu visibilidade e protagonismo a povos indígenas, comunidades tradicionais, juventude e movimentos sociais, resgatando, em grande escala, o papel da sociedade civil nas decisões, com forte pressão por justiça climática. Foi aprovado um conjunto de 29 decisões sobre diversos temas, como a transição justa, o financiamento da adaptação climática, o comércio, o gênero e a tecnologia. A velocidade das negociações diplomáticas não é compatível com a emergência climática.

Muito trabalho pela frente, ao longo deste ano, até a COP31 na Turquia. O planeta não poderá tolerar que uma única indústria (a dos combustíveis fósseis) provoque um aquecimento global de 2,8 °C. Os 8 bilhões de seres humanos que sofrerão impactos fortes desse aquecimento têm que falar mais alto do que os enormes lucros de pouquíssimas petroleiras. •

Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Avanços pontuais’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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