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Construção do verde perene
A Amazônia convive com extensas áreas degradadas que nunca tiveram de fato um modelo contínuo de recuperação. Projetos de restauração surgiram ao longo dos anos, mas quase sempre enfrentaram o mesmo obstáculo, a instabilidade. Faltavam contratos duradouros, financiamento compatível com o ciclo das espécies nativas […]
A Amazônia convive com extensas áreas degradadas que nunca tiveram de fato um modelo contínuo de recuperação. Projetos de restauração surgiram ao longo dos anos, mas quase sempre enfrentaram o mesmo obstáculo, a instabilidade. Faltavam contratos duradouros, financiamento compatível com o ciclo das espécies nativas e segurança para quem trabalha com coleta de sementes, produção de mudas e manejo da vegetação. Sem previsibilidade, a recomposição avançava lentamente e muitas iniciativas não conseguiam permanecer em campo pelo tempo necessário. A iniciativa ProFloresta+, criada pelo BNDES em parceria com a Petrobras, nasce para encerrar esse problema que travava da recuperação da floresta.
O programa abriu o primeiro edital para contratar 5 milhões de créditos de carbono obtidos a partir da restauração de pelo menos 15 mil hectares – área equivalente a 15 mil campos oficiais de futebol. O mecanismo combina uma demanda garantida de longo prazo e condições financeiras adequadas ao tempo da natureza. A Petrobras compromete-se a comprar os créditos ao longo de 25 anos, enquanto o BNDES oferece linhas específicas para restauração, com custo financeiro de 1% ao ano por meio de linhas de crédito especiais, como o Fundo Clima. Essa junção resolve um vazio antigo no setor, uma vez que empresas interessadas em restaurar áreas degradadas quase nunca tinham acesso a crédito que permitisse planejar o ciclo completo da recomposição, que pode chegar a 25 anos.
O edital aceita projetos individuais ou consórcios de até quatro empresas, que podem disputar lotes de 1 milhão a 3 milhões de créditos. Cada lote exige a restauração mínima de 3 mil hectares com espécies nativas. As empresas precisam identificar áreas, comprar ou arrendar terrenos, organizar o fornecimento de sementes, estruturar viveiros, plantar e realizar o monitoramento necessário para certificar os créditos. O cronograma respeita os tempos da floresta, com a entrega dos primeiros créditos prevista para até sete anos após a assinatura dos contratos, e novas entregas a cada cinco anos.

ProFloresta+ vai selecionar projetos de restauração ecológica com espécies nativas – Imagem: Banco de Imagens / Getty Images
Esse modelo mexe em cadeias que sempre funcionaram de forma precária. A coleta de sementes depende de planejamento, equipes treinadas e logística em regiões remotas. Viveiros precisam operar com regularidade, sem as interrupções que costumam ocorrer quando um projeto termina antes do previsto. A formação de mão de obra especializada exige continuidade e não se sustenta quando a restauração acontece apenas em projetos curtos. A previsibilidade trazida pelo ProFloresta+ cria um ambiente em que essas atividades deixam de depender da sorte e passam a integrar um ciclo produtivo mais estável.
O BNDES vê o programa como parte de um esforço maior para reconstruir áreas degradadas na Amazônia. O banco já financia iniciativas de recomposição e vinha buscando instrumentos capazes de ampliar a escala desse trabalho. O ProFloresta+ funciona como uma engrenagem que integra crédito, padrões técnicos e contratos longos. A ação contou com instituições que trabalham com integridade ambiental, como o Nature Investment Lab, o Instituto Clima e Sociedade, o Agroicone e o Imaflora. A participação desses grupos ajudou a estabelecer critérios, salvaguardas e diretrizes que orientam o monitoramento e a qualidade dos créditos.
A Petrobras cumpre o papel de compradora dos créditos e reduz o risco de mercado enfrentado por quem investe em restauração. A estatal busca fontes confiáveis para a compensação de emissões e encontrou no programa uma forma de conectar metas ambientais a um esforço real de recuperação da floresta. O compromisso de compra cria um horizonte em que empreendedores conseguem planejar investimentos e distribuir custos ao longo de décadas, algo que iniciativas isoladas não oferecem.
O programa dialoga com outras ações do BNDES no Arco da Restauração, região que concentra municípios impactados por ciclos intensos de desmatamento. Nessas áreas, a recuperação da vegetação pode alterar a dinâmica econômica, aproximando atividades produtivas de práticas que valorizam a floresta em pé. O banco tem estruturado financiamentos voltados à recomposição da vegetação nativa e busca formas de integrar produtores, viveiros, coletoras de sementes e cadeias locais. O ProFloresta+ soma-se a esse esforço e acrescenta uma peça que faltava, contratos de longo prazo que criam estabilidade.
A restauração na Amazônia depende de contratos longos, crédito estável e capacidade de manter cadeias florestais que sempre trabalharam sem previsibilidade
A meta do programa é restaurar 50 mil hectares e gerar 15 milhões de créditos de carbono. A primeira rodada pode mobilizar mais de 450 milhões de reais, valor relevante para movimentar cadeias produtivas que há anos funcionam com baixo investimento. A magnitude chama atenção porque conecta restauração, geração de renda, produção de insumos florestais e atividades de monitoramento que criam oportunidades em regiões que precisam de alternativas econômicas.
O ProFloresta+ põe em prática uma abordagem que tenta alinhar a duração do financiamento ao tempo ecológico. O ciclo das espécies nativas exige décadas, e dificilmente projetos curtos conseguem acompanhar essa lógica. Ao unir crédito de longo prazo e compra garantida de créditos, o programa cria um terreno mais sólido para quem pretende trabalhar com recomposição florestal na Amazônia. Também indica que é possível combinar desenvolvimento e proteção ambiental, não como discursos separados, mas como pilares da mesma política de recuperação territorial.
A iniciativa ainda está na primeira fase – as inscrições no edital vão até 10 de dezembro de 2025 –, mas já organiza uma trajetória que concentra previsibilidade, recursos e critérios técnicos. Para uma região que convive com passivos ambientais acumulados, a construção desse caminho oferece uma base mais consistente para que a restauração deixe de ser mera coleção de iniciativas dispersas e passe a funcionar como atividade contínua. O ProFloresta+ coloca o BNDES como um dos protagonistas dessa transição e mostra que o financiamento público pode estruturar modelos que o mercado, sozinho, não conseguiu sustentar. •

Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.