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Espeto de pau

Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite, “experts” em segurança, encaram a insatisfação das forças policiais

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Sentimento de traição. Eleitores entusiasmados do bolsonarista, os agentes reclamam do descaso tanto do governador quanto do secretário – Imagem: Alex Fernandes/GOVSP e Roberto Sungi/Ato Press/Estadão Conteúdo
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Prometeu, não cumpriu, mentiu!”, a frase circula nas redes sociais e resume a insatisfação dos policiais militares, civis e penais com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. Enquanto o secretário deixou o cargo por quase 20 dias para retornar ao mandato de deputado federal e relatar o PL Antifacção, os agentes do estado sentiram-se traídos por não verem nenhuma das promessas de campanha cumpridas. Salários baixos, péssimas condições de trabalho, equipamentos e viaturas defasados e falta de progressão de carreira são as queixas que resultaram no protesto realizado em 18 de novembro na capital paulista, e em anúncios de novas manifestações nas próximas semanas.

Grande parte dos agentes policiais é alinhada ao bolsonarismo e apoiou com entusiasmo a candidatura de Freitas, mas até estes estão indignados. Um dos destaques no ato político foi o deputado federal Delegado Palumbo, do MDB, bolsonarista fiel, e até pouco tempo entusiasta do governador. “Não é porque eu sou de direita que vou ficar quieto. A polícia continua sucateada, mal paga, com problemas de saúde. Os policiais militares estão revezando coletes, a Polícia Civil andando de carro velho. Três anos já: as polícias não aguentam mais lorota furada”, esbravejou.

Segundo policiais, não falta apenas investimento, mas também diálogo. A prova é o que aconteceu no dia do ato. Para evitar repercussão, o secretário de Segurança em exercício, Osvaldo Nico Gonçalves, e o delegado-geral, Artur Dian, prometeram que todas as entidades seriam ouvidas pelo governador na semana seguinte, desde que evitassem as críticas no carro de som. Na data marcada, os convidados ganharam, no entanto, um chá de cadeira no Palácio dos Bandeirantes. Esperaram por mais de três horas sem ser atendidos e, no fim, receberam a oferta de uma foto com o governador. Apenas algumas entidades foram ouvidas.

“As mais de 20 associações que estavam esperando pela reunião foram traí­das”, denuncia o PM aposentado Paulo Roberto Torres Galindo, conhecido como Tenente Torres. Segundo ele, a categoria “votou no Tarcísio porque ele foi indicado pelo Bolsonaro”, mas passados três anos, o sentimento é de frustração. “No fim, Bolsonaro também nunca fez nada por nós.” Para Torres, Derrite só foi o relator do PL Antifacção porque é a aposta política da direita paulista para o Senado em 2026, mas “não tem experiência em segurança pública, passou a maior parte da carreira aquartelado”.

O presidente da Associação dos Delegados do Estado de São Paulo, André Pereira, foi um dos poucos a participar da conversa a portas fechadas, e qualificou o episódio como “uma conquista importante” porque foi a primeira reunião desde o início da gestão. A conversa, afirmou Pereira, foi produtiva. O governador prometeu atender às duas principais reivindicações da Polícia Civil. “Garantiu que está avaliando a proposta de reajuste, e vai apresentar a Lei Orgânica nos próximos dias.” A lei é considerada essencial para reestruturar a carreira.

Apesar de ser o estado com o maior PIB, as polícias paulistas estão entre as mais mal pagas do País, alega o escrivão Renato Martins, presidente do Sindicato dos Funcionários da Polícia Civil de Santos e Região. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que “a política salarial foi reforçada, com um reajuste médio acumulado de 25,2%”. Ainda assim, o salário inicial de um policial civil é de cerca de 5 mil reais, e coloca a categoria na lanterna do ranking nacional. O mesmo acontece com a PM, onde um “praça”, ou seja, soldados, sargentos e tenentes responsáveis pelo policiamento de rua, recebe em torno de 4 mil. O soldo insuficiente também se repete na Polícia Penal, atrelada à Secretaria da Administração Penitenciária.

O resultado da gestão: agentes mal pagos e mais letais

A letalidade policial aumentou 91% nos dois primeiros anos da gestão de Freitas, em comparação com os dados de 2022 do Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Para Martins, é resultado da concepção de Segurança Pública de Derrite, ex-oficial da Rota. “Um secretário que só pensa em política de enfrentamento, quando precisamos é de política de inteligência.” Sob o pulso de Derrite a Secretaria “virou um grande quartel militar”, critica Martins.

Para o presidente do Sindicato dos Policiais Penais, Fábio Jabá, ­Derrite conseguiu a façanha de “acabar com o racha nas polícias” porque agora estão todas insatisfeitas. “Como alguém que quer ser respeitado na esfera federal como especialista em segurança pública se não respeita seus operadores?” O descaso fez inflamar os ânimos, diz.

A deputada estadual Mônica Seixas, do PSOL, acredita que a insatisfação tende a provocar uma fissura no bolsonarismo. Já é possível observar mudança de postura entre os policiais influencers. “Muitos começaram a dizer que vão votar no diabo, mas não votam de novo no Tarcísio.” O deputado Paulo Batista dos Reis, do PT, discorda: “Os bolsonaristas ainda estão fechados com o governador, tudo que ele manda para a Assembleia eles votam favoravelmente”.

De acordo com Seixas, “Derrite e Tarcísio promoveram um desmonte completo da segurança pública”. E isso não afeta só a população, mas os próprios policiais. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os oficiais morrem mais de suicídio do que em conflito. Para o ouvidor das polícias, Mauro Caseri, o quadro preocupante é resultado da desvalorização. Ele critica o que chama de “legalização do bico”. Hoje, em São Paulo, os PMs têm uma escala de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, mas podem trabalhar na folga em funções do estado e do município, como as operações Delegada e Dejem. Com as horas extras, o salário tem acréscimo de até 3 mil reais. “Nós, da Ouvidoria, defendemos que esse aumento seja incorporado ao salário, porque como hora extra não tem impacto na aposentadoria, no décimo terceiro, não é um benefício.” Caseri acredita que, ao comprometer o descanso para complementar a renda, o policial acumula estresse e sofrimento, o que aumenta as chances de abordagens mais violentas e adoecimento mental.

A Secretaria de Segurança informa que as forças contam com ações permanentes de saúde mental. “O sistema da Polícia Militar é coordenado pelo Centro de Atenção Psicológica e Social. A Polícia Civil, por sua vez, oferece suporte por meio da Divisão de Prevenção e Apoio Assistencial.” A Secretaria de Administração Penitenciária não respondeu até o fechamento desta edição. •

Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Espeto de pau’

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