Política
Anjos e demônios
O evangélico Jorge Messias inicia o périplo para quebrar a resistência de senadores endiabrados com sua indicação
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não quer conversa com Jorge Messias. Indicado desde 20 de novembro pelo presidente Lula para a cadeira deixada por Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal, o advogado-geral da União tentou falar ao telefone com o senador na terça-feira 25, mas foi ignorado. A birra de Alcolumbre é hoje o grande obstáculo para Messias tornar-se o terceiro integrante do STF indicado por Lula no atual mandato. Os outros dois foram Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Em um movimento percebido como hostil pelo Palácio do Planalto, o senador marcou para 10 de dezembro a sabatina de Messias na Comissão de Constituição e Justiça. O advogado precisará em seguida dos votos favoráveis de 41 senadores em plenário para ser ungido. Embora a rejeição a uma indicação pelo Executivo seja coisa raríssima – só aconteceu cinco vezes, todas no governo de Floriano Peixoto –, o risco existe, dado o clima de insatisfação na Casa, que preferia a escolha do colega Rodrigo Pacheco, do PSD.
Até a sabatina, Messias vai intensificar os contatos com os senadores e com os possíveis futuros colegas no STF. Os sinais colhidos são de que seu nome não será rejeitado e, apesar do tempo exíguo para conversas, ele afirma preferir “que seja logo” a tomada de decisão. “Deixar para março do ano que vem pode aumentar, mas também pode reduzir o apoio que tenho hoje”, disse a interlocutores ouvidos por CartaCapital. O esforço para superar a frustação com a não indicação de Pacheco é liderado pelos senadores Jaques Wagner, do PT, de quem Messias foi assessor, e Eliziane Gama, do PSD.
Apesar do mal-estar, poucos acreditam na rejeição do nome escolhido por Lula
No STF, o advogado-geral tem o apoio dos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Luiz Fux. Inicialmente defensor da indicação de Pacheco, o decano da Corte, Gilmar Mendes, sinalizou que, uma vez feita a escolha pelo Executivo, acatará a decisão, Cármen Lúcia e Edson Fachin, idem. Um dia após ser indicado por Lula, Messias, fiel da Igreja Batista, foi recebido com um longo abraço por Mendonça, ministro “terrivelmente evangélico” indicado por Jair Bolsonaro. O encontro aconteceu na convenção nacional da Assembleia de Deus Ministério de Madureira, em São Paulo. “O senhor preenche todos os requisitos constitucionais e terá todo o meu apoio no diálogo republicano com os senadores”, prontificou Mendonça. Messias retribuiu: “Não se trata de ideologia, mas de uma coisa maior comum a todos nós, o reino de Deus”.
O candidato fia-se ainda em apoios fora do círculo petista. Um deles vem do ex-ministro Celso de Mello, defensor da prerrogativa do Executivo de escolher os integrantes da Suprema Corte e propenso a publicar em jornais do País um artigo em defesa dessa tese. Outro, do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, amigo de Alcolumbre, que prometeu interceder para amolecer o coração do senador. “Aras também está costurando o apoio da comunidade judaica, o que é muito importante”, diz uma fonte próxima a Messias. Por outro lado, surpreende a resistência vinda de um ministro progressista e próximo a Lula, Flávio Dino. “Esperávamos a oposição do ministro Alexandre de Moraes, mas, talvez ocupado com o caso de Bolsonaro, ele não tem atuado abertamente contra Messias. Já a postura do ministro Dino é um tanto surpreendente, pois Messias não sabe o que a pode ter causado”, diz a fonte.
Com trânsito nos Três Poderes, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirma não ter dúvida da aprovação. “É claro que o Senado tem o dever constitucional de fazer a sabatina, que deve centrar-se no saber jurídico por parte do indicado, assim como fazer uma averiguação sobre a sua vida, mas o Messias é inatacável. É alguém que prestou muitos serviços ao País, absolutamente técnico, competente, sério, com uma reputação acima de qualquer suspeita e um conhecimento jurídico excepcional.”
Birra. Alcolumbre não quis atender Messias e rompeu relações com Jaques Wagner – Imagem: Zeca Ribeiro/Agência Câmara
Kakay tem conversado com vários senadores. “Vivemos um momento de tensão política, isso faz parte da democracia no Congresso, mas vários senadores da oposição me disseram que não faz nenhum sentido vetar Messias. Recentemente, tivemos alguns ministros que, indicados, tiveram uma votação razoavelmente apertada. Esse é o motivo de toda essa celeuma política. Mas não acredito que Messias terá dificuldade de maneira alguma.” Nas conversas com ministros do Supremo, diz, Messias é extremamente bem-aceito. “É claro que cada ministro tem o direito de ter as suas preferências. Há um ministro específico que teria certa dificuldade em apoiar o Messias, mas isso não significa vetar.”
Coordenador do Grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho ressalta que a indicação de um ministro para o STF cabe ao presidente da República. “O Senado precisa agir na perspectiva de confirmar o preenchimento de todos os requisitos absolutamente indispensáveis, como reputação ilibada e notável saber jurídico. Uma vez presentes, a rejeição não é uma opção, pois tudo se debruça sobre requisitos constitucionais”, explica. O Prerrogativas, afirma, “não considera a possibilidade” de veto. “Não haverá nenhuma surpresa. Messias é extremamente preparado, tem espírito público, sólida formação jurídica e indiscutíveis serviços prestados à frente da AGU, uma das estruturas mais importantes do Estado.” Se confirmado, prossegue, Messias será o quarto ministro egresso da Advocacia-Geral da União a integrar o STF neste momento, além de Gilmar Mendes, André Mendonça e Dias Toffoli. Kakay também aponta esse trunfo. “Em regra, quando assume o cargo da AGU, o nomeado transita muito pelo STF e sustenta ações importantes no plenário do Supremo. Então, o respeito por Messias é muito grande.”
Messias busca apoios fora dos círculos petistas. Aras é um deles
Nos próximos dias, enquanto o indicado corre para angariar novos apoios na sociedade e aparar arestas no Senado, o governo terá de lidar com o mau humor de Alcolumbre e evitar que se repita na casa o azedume potencialmente desastroso instalado entre o presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos, e o líder do PT, Lindbergh Farias. Como uma malcriação, o presidente do Senado conduziu na terça-feira 25 a aprovação do projeto que estabelece a aposentadoria integral para agentes comunitários de saúde, medida que, segundo o Ministério da Previdência, terá um impacto de 100 bilhões de reais em dez anos nas contas públicas. Alcolumbre também prometeu pautar a apreciação dos vetos de Lula ao projeto que afrouxou as regras de licenciamento ambiental. Tanto o presidente da Câmara quanto o do Senado não participaram da cerimônia de anúncio da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais por mês.
Sem ser atendido ao telefone, Messias fez um aceno público a Alcolumbre: “Acredito que poderemos sempre encontrar soluções institucionais que promovam a valorização da política por intermédio dos melhores princípios da institucionalidade democrática”. O senador respondeu protocolarmente: “Tomei, com respeito institucional, conhecimento da manifestação pública do indicado ao Supremo. O Senado cumprirá com muita tranquilidade a prerrogativa que lhe confere”. E acrescentou: “Cada poder da República tem de atuar dentro de suas próprias atribuições”.
Fogo amigo? Segundo apurou CartaCapital, Dino não gostou da indicação – Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
A bronca maior do parlamentar é, no entanto, dirigida ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner, cuja articulação pela indicação de Messias foi vista como traição. Em entrevista à Globonews, o petista minimizou as rusgas. “Espero que esse mal-estar do Davi comigo seja superado e que a gente volte a conversar com a naturalidade que sempre conversou.” Wagner atribuiu o entrevero a um erro de comunicação. “Mas não é por isso que vamos romper relações que foram construídas ao longo do tempo.”
Para Carvalho, “preocupa demais a tentativa do senador Alcolumbre de capturar competências que foram funcionalmente atribuídas a outro poder”. O advogado lembra que o Senado avançou em outras prerrogativas funcionalmente atribuídas ao Executivo, entre elas a execução orçamentária com emendas impositivas ou a indicação de nomes para as agências reguladoras. “Já passou do limite. Precisamos devolver os poderes para as suas respectivas caixinhas. O senador está tentando abocanhar mais uma competência, talvez a mais importante de todas, atribuída pela Constituição ao presidente da República.” •
Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Anjos e demônios ‘
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.



