

Opinião
Gestão de risco
O caso do Banco Master chama atenção para os impactos gerados pela presença dos fundos de investimento na área da saúde
Nas últimas duas décadas, investidores privados que utilizam grandes volumes de capital para adquirir e reestruturar empresas têm se envolvido cada vez mais na propriedade e gestão do sistema de saúde no Brasil.
O objetivo de fundos de investimento, a obtenção de ganhos financeiros rápidos, é geralmente alcançado por meio de reatribuição de dívidas, reestruturação de instalações, corte de despesas trabalhistas, mudanças de atividades em busca das mais lucrativas, fusões e encerramento de vendas de determinados produtos.
Os fundos de investimento passaram a atuar em setores como hospitais, unidades de diagnóstico e terapia e empresas de planos de saúde. Um modelo de negócios que põe em dúvida a compatibilidade com sistemas de saúde qualificados, eficientes e acessíveis.
Fundos de investimento são propriedades de empresas e indivíduos de alto patrimônio líquido, que reúnem seus recursos para investir em empreendimentos lucrativos. Por sua vez, tais recursos possuem quatro traços marcantes.
Em primeiro lugar, o investimento em geral é definido por organizações leigas, não por profissionais da saúde. Em muitos casos, quem decide quando e onde investir tem pouco conhecimento sobre a gestão de uma organização de saúde que ofereça atendimento de alta qualidade e custo efetivo.
A segunda característica dos fundos de investimento é utilizar o mínimo possível de seu próprio capital nas empresas que financiam, mas manter o controle acionário e receber retornos superiores ao aporte inicial. Os investimentos são normalmente financiados com dívidas transferidas para a empresa adquirida. Por exemplo, muitos investimentos são transacionados por meio de aquisições alavancadas, que utilizam os ativos da empresa adquirida para pagar grande parte da compra.
A terceira peculiaridade das transações na saúde intermediadas por fundos de investimento são os altos retornos, que exigem eliminar serviços menos lucrativos, priorizar os que geram maiores receitas – por exemplo, tratamentos e cirurgias caras – e estimular a realização de mais procedimentos ou até impor a escassez de suprimentos e negligenciar a manutenção de equipamentos.
A quarta característica é a venda dos investimentos em um curto período, geralmente em torno de três a sete anos.
Nos Estados Unidos, tanto o assassinato do CEO da UnitedHealthcare, atribuído ao ressentimento gerado contra conglomerados de planos de saúde, quanto o colapso financeiro do grupo hospitalar norte-americano Steward, trouxeram à tona debates sobre a transparência de informações sobre dívidas, lucros e dividendos e acordos para a remuneração de executivos.
Para nós, as implicações das estratégias dos investidores privados na saúde ficaram um pouco mais visíveis diante da veiculação de informações sobre possíveis impactos na Oncoclínicas em razão da liquidação extrajudicial do Banco Master.
Independentemente das perspectivas de sucesso das medidas para a preservação da liquidez do grupo empresarial, ficou no ar a constatação de que a voracidade por lucratividade elevada no curto prazo ameaça a estabilidade de instituições, imprescindível para a garantia de cuidados a pacientes com condições graves.
Princípios éticos de atendimento à população não se coadunam com falências e elevação abusiva de preços. Estudos empíricos sobre o desempenho de empresas de saúde não são categóricos, embora a maioria das pesquisas tenha encontrado resultados negativos entre fundos de investimento e indicadores de saúde.
Os fundos de investimento na área da saúde cresceram impulsionados por serviços de saúde, Tecnologia da Informação e indústria biofarmacêutica. É necessário desenvolver investigações no Brasil sobre impactos dos fundos de investimento na saúde, incluindo o exame das omissões e intervenções regulatórias, desde critérios de avaliação para fusões e aquisições até restrições para o envolvimento em mercados específicos.
As iniciativas para a formulação, implementação e aprimoramento de políticas nas três esferas de governo se beneficiariam muito com mais e acuradas reflexões sobre a participação dos investidores privados na saúde. Sinais de alerta foram acionados. •
Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Gestão de risco’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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