Do Micro Ao Macro
Viabilidade da tarifa zero é detalhada em novo estudo nacional
Estudo calcula o custo da tarifa zero e propõe modelo de financiamento empresarial que dispensa novos impostos e pode atender 124 milhões de brasileiros.
A discussão sobre Tarifa zero no transporte público volta ao foco das políticas urbanas com a apresentação de um estudo da Universidade de Brasília que detalha como custear a gratuidade do transporte público nas cidades brasileiras.
A proposta calcula, pela primeira vez, o custo nacional do sistema e descreve um modelo de financiamento que dispensa novos tributos e recursos federais, apoiando-se em uma reestruturação do atual vale-transporte.
Segundo os pesquisadores da UnB, UFMG e USP, a ideia é substituir o vale-transporte por uma contribuição das pessoas jurídicas das cidades com mais de 50 mil habitantes — hoje, 706 municípios.
Essa contribuição teria valor fixo por funcionário, com isenção para até nove trabalhadores por CNPJ. O mecanismo isentaria 83% das empresas e permitiria financiar a Tarifa zero em escala nacional.
Tarifa zero e o custo do sistema
O estudo estima que o transporte público brasileiro custa atualmente cerca de R$ 65 bilhões por ano.
Para implementar a gratuidade nas 706 cidades selecionadas, considerando expansão da oferta e ajustes contratuais, seriam necessários aproximadamente R$ 78 bilhões anuais.
O cálculo indica que 124 milhões de pessoas seriam beneficiadas.
Os autores observaram ainda a crise contínua do setor, marcada pela queda no número de usuários e pela dificuldade de sustentar o financiamento com base exclusiva na tarifa paga pelo passageiro.
O levantamento reforça que experiências municipais recentes colocaram o Brasil como o país com maior número de iniciativas de Tarifa zero no mundo, mas que falta integração entre dados, contratos e modelos de remuneração das operadoras.
Tarifa zero universal ou focalizada?
O relatório comparou dois caminhos: universalizar a gratuidade ou direcioná-la apenas à população inscrita no CadÚnico.
A modalidade focalizada atenderia 24 milhões de pessoas e custaria R$ 58 bilhões anuais, o equivalente a 75% do custo da universalização. No entanto, o valor por usuário seria maior: cerca de R$ 1.200 anuais no modelo focalizado, contra R$ 827 na proposta universal.
Os pesquisadores apontam que a focalização mantém distorções presentes no sistema atual, como a remuneração baseada em passageiros transportados e a bilhetagem fragmentada, considerada um dos pontos que dificulta a transparência e o controle de recursos.
O modelo que viabiliza a Tarifa zero
Ao analisar diferentes formatos de financiamento, o estudo destaca que é possível adotar a Tarifa zero sem ampliar impostos e sem uso de recursos federais.
Para isso, propõe que empresas contribuam com valores mensais fixos por trabalhador, substituindo o sistema atual do vale-transporte. Contribuições na ordem de R$ 250 por funcionário gerariam cerca de R$ 80 bilhões anuais — suficiente para sustentar a operação.
A referência internacional vem do Versement Mobilité, em vigor na França desde 1971, que financia parte relevante de sua mobilidade urbana com mecanismos similares focados em contribuições empresariais.
Uma tarifa zero coordenada nacionalmente
O estudo defende que a implementação exige coordenação interfederativa de recursos e responsabilidades, alinhada ao debate sobre o Sistema Único de Mobilidade (SUM), já defendido por pesquisadores e organizações sociais. Para iniciar essa transição, os autores sugerem uma primeira fase em 2026, voltada a testes, coleta de dados e ajustes institucionais.
Essa fase experimental permitiria avaliar impactos, integrar sistemas de bilhetagem, revisar contratos e definir métricas de desempenho. A meta seria estruturar um modelo que ofereça previsibilidade financeira e redistribuição equilibrada do ônus entre setores econômicos, sem elevar custos para a população mais vulnerável.
Tarifa zero e reorganização das responsabilidades
O relatório afirma que a Tarifa zero nacional exige revisão da lógica de remuneração do transporte público, hoje baseada no número de passageiros transportados. A proposta sugere adotar modelos que remunerem pelo custo real da operação, reduzindo distorções e ampliando a transparência.
Os autores reforçam ainda que a implementação precisa de sistemas integrados de informação para permitir controle social e gestão eficiente dos recursos. Experiências municipais mostraram que a expansão da gratuidade depende de dados confiáveis e reestruturação dos contratos, principalmente em cidades com redes extensas.
Rumo a um novo modelo
Para Letícia Birchal Domingues, pesquisadora do IPOL/UnB e coautora do estudo, a Tarifa zero cria oportunidade para um novo pacto de financiamento entre setor público e setor privado, garantindo recursos contínuos e distribuídos de forma mais equilibrada. Segundo ela, a fase piloto em 2026 é parte estratégica para corrigir falhas existentes e produzir dados que ainda faltam para a tomada de decisão.
Ao reunir cálculos nacionais, análise de modelos internacionais e comparações entre propostas, o estudo aponta que a Tarifa zero pode ser viável financeiramente e ajustar a política de mobilidade urbana às necessidades de milhões de brasileiros.
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