Olho na COP
Veterano das grandes conferências mundiais, o repórter Maurício Thuswohl acompanha os preparativos e bastidores e desafios da Conferência do Clima em Belém.
Olho na COP
‘Precisamos zerar o uso de combustíveis fósseis até 2040’: Dois Dedos de Prosa com Carlos Nobre
O cientista do IPCC critica a falta de ambição da COP30 e alerta para a urgência de impedir que o planeta ultrapasse 1,7ºC
Pesquisador da USP e conselheiro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, o brasileiro Carlos Nobre é um dos sete cientistas signatários da declaração de alerta entregue aos governantes nos últimos momentos da COP30.
Diante do morno documento final da Conferência, que não traz compromissos concretos em relação a temas como a redução do desmatamento e do uso de combustíveis fósseis, entre outros, os cientistas afirmam que “estamos em uma encruzilhada planetária” e que será preciso escolher entre “proteger as pessoas e demais formas de vida ou proteger a indústria de combustível fóssil”.
Em conversa com CartaCapital, Nobre fala sobre a participação dos cientistas no evento realizado em Belém.
CartaCapital: Como foi o trabalho da comunidade científica durante a COP30?
Carlos Nobre: O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, solicitou em julho que nós, cientistas dos Guardiões Planetários, criássemos pela primeira vez em uma COP um Pavilhão de Ciências Planetárias. Reunimos vários cientistas desde 10 de novembro e realizamos todos os dias cinco ou seis sessões sobre todos os aspectos importantes do clima como, por exemplo, proteger o planeta e a biodiversidade e combater a emergência climática. Mostramos também que há soluções como a transição energética e a proteção de todas as florestas, e como melhorar a capacidade de adaptação de milhões de pessoas em todo o planeta.
O documento final deveria ter uma declaração de que todos os países vão acelerar a redução do uso de combustíveis fósseis
CC: Qual foi a mensagem dos cientistas aos governantes?
CN: Escrevemos documentos e declarações e os entregamos a todos os negociadores durante a COP30. Esses documentos diziam que não podemos deixar a temperatura passar muito de 1,5ºC, pois ela vai passar mesmo, segundo o que diz a ciência, daqui a cinco a dez anos. Mas não devemos deixar passar de 1,7ºC.
Para isso precisamos rapidamente zerar as emissões, principalmente zerar o uso de combustíveis fósseis até 2040, não mais que 2045. Alertamos também que temos que melhorar muito a capacidade de adaptação de bilhões de habitantes que sofrem demais com os eventos que já estão acontecendo, as ondas de calor que levam a mais de 150 mil mortes por ano, as secas, os incêndios florestais que poluem muito, prejudicam a saúde humana, a chuva superintensiva com todos os desastres que causam. Tudo isso está batendo recorde.
CC: E no que diz respeito ao desmatamento?
CN: É preciso zerar todos os desmatamentos e fazer uma grande regeneração de todos os biomas, especialmente das florestas tropicais. O lançamento do mutirão global teve um aspecto muito positivo, pois pela primeira vez em trinta COPs todos os países concordaram em zerar todos os desmatamentos, especialmente das florestas tropicais, até 2030, e também acelerar a regeneração dos biomas das florestas tropicais. É preciso urgência para salvar todos os biomas, salvar a biodiversidade.
CC: O que achou do documento final da COP30?
CN: O documento final deveria ter uma declaração de que todos os países vão acelerar a redução do uso de combustíveis fósseis. E também o reconhecimento de que bilhões de pessoas estão muito vulneráveis a todos esses eventos que já estão acontecendo, não é uma coisa para o futuro. Seria muito importante que todos os países concordassem agora com o Fundo Verde para o Clima, que tem de chegar a 1,3 bilhão de dólares. Outro desafio que não apareceu no documento é o financiamento. É necessário, de cara, o financiamento de 500 bilhões de dólares por ano para aumentar a capacidade de adaptação de bilhões de pessoas aos eventos extremos que já ocorrem. E também 800 bilhões por ano para acelerar, e muito, a transição energética para energias renováveis.
CC: Quais os próximos passos?
CN: O Pavilhão de Ciências Planetárias também estará na COP31, na Turquia. A diretora-executiva Ana Toni pediu para criarmos um Painel Científico para a Transição Energética e para zerar o uso de combustíveis fósseis. Vamos lançar esse painel em Bogotá, na Colômbia, numa reunião importante em abril sobre transição energética, e queremos até a COP31 já levar um primeiro relatório mostrando que é totalmente factível fazer a transição energética e parar de usar combustíveis fósseis o mais rápido possível em todo o mundo. Temos que não deixar a temperatura passar muito de 1,5ºC, já quer não dá mais para manter em 1,5ºC agora.
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