COP30

Sem acordo sobre petróleo, mineração e agro ditaram o rumo da COP30

Enquanto povos indígenas alertavam para garimpo, petróleo e hidrovias, a conferência foi ocupada por mineradoras, petrolíferas e defensores do agro ‘sustentável’

Sem acordo sobre petróleo, mineração e agro ditaram o rumo da COP30
Sem acordo sobre petróleo, mineração e agro ditaram o rumo da COP30
(Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)
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A COP30 chegou ao fim com acordos sobre aquilo que ninguém mais ousa rejeitar: admitir que o mundo precisa se adaptar às enchentes, às secas e às ondas de calor que já estão detonando territórios. O impasse apareceu quando o assunto mudou para petróleo, gás e carvão. As boas intenções evaporaram junto com o consenso.

O centro da disputa era o chamado “mapa do caminho”, um roteiro para orientar a transição longe dos combustíveis fósseis com princípios que reduziriam a dependência global. A proposta entrou no primeiro rascunho por pressão de Colômbia, Chile, União Europeia e países insulares, que correm risco iminente de desaparecer diante do aquecimento global. Contudo, Arábia Saudita, Índia, Rússia e outros grandes produtores vetaram qualquer menção aos fósseis.

Foi nesse momento que o presidente Lula (PT) voltou a Belém, na semana final, antes de existir um texto fechado. Um gesto pouco usual do líder do país-sede. Disse que a COP precisava “começar a pensar como viver sem combustível fóssil”. Mas, dias antes da conferência, seu governo havia autorizado a prospecção de petróleo na Foz do Amazonas, uma das últimas fronteiras marinhas preservadas do país, numa região de grande complexidade ecológica. A contradição não passou despercebida.

Mesmo assim, Lula tentou reconstruir o consenso. Passou a madrugada telefonando para Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia; Emmanuel Macron, presidente da França; António Costa, secretário-geral da ONU; Gustavo Petro, presidente da Colômbia; e Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do Brasil. Não adiantou. O segundo rascunho saiu sem petróleo, gás ou carvão.

Diante disso, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, propôs uma saída paralela. Ele mesmo formulará, em 2026, dois roteiros: um para a transição energética e outro para zerar o desmatamento. Serão iniciativas da presidência brasileira sem caráter vinculante. Ou seja, não farão parte das decisões oficiais da Convenção do Clima, não criam obrigações legais nem entram no texto da COP. São compromissos políticos unilaterais, que dependem de adesão voluntária. Lula afirmou que “a semente foi lançada” e que levará o debate ao G20.

A COP30 registrou 1.600 lobistas ligados à indústria de combustíveis fósseis, número maior do que qualquer delegação nacional, com exceção da brasileira. O levantamento é da KBPO (sigla em inglês para Kick Big Polluters Out, coalizão que monitora a influência de grandes poluidoras nas COPs). Proporcionalmente, houve um aumento de 12% em relação à COP29, em Baku. Desde que o monitoramento começou, em 2021, nunca houve uma COP com tantos representantes do setor.

Quem também quer se apresentar como solução para o fim dos fósseis é o setor da mineração. A Vale estava em todo lugar. No aeroporto, nas ruas próximas à conferência, em eventos culturais, em estandes internacionais — como o da Indonésia — e em peças de publicidade espalhadas por Belém.

 “Praticamente em todo lugar de Belém que eu vou há uma propaganda de mineradora”, disse Isadora Canela, de Brumadinho (MG). Em 2019, a barragem da empresa na cidade rompeu e matou 272 pessoas. Em 2015, em Mariana (MG), o rompimento da barragem da Samarco, da qual a Vale era sócia, matou 19 pessoas e devastou a bacia do Rio Doce.

A Vale, ao lado do IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração) e do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), lidera a Coalizão Minerais Essenciais. O grupo entregou à presidência da COP30 um estudo defendendo que a demanda global por minerais estratégicos dobrará até 2050. Baterias, turbinas eólicas e painéis solares dependem de lítio, níquel, cobre, cobalto e terras raras.

Nos debates da zona azul, a área oficial de negociações da ONU, representantes da Vale e da Hydro estavam animados. “A mineração é top, com certeza absoluta”, disse Marco Braga, vice-presidente do Projeto Novo Carajás da Vale. Ele fazia eco a outro executivo, da Hydro, que momentos antes afirmara: “Muito se falou que o agro é pop, mas a mineração é top. Está no topo das discussões que estão acontecendo”.

Se há um lado positivo da presença maciça de executivos na COP30 é que, quando relaxam, falam o que pensam sem rodeios.

A presidente da Sigma Lithium, por exemplo, afirmou à CNBC que antes da chegada da empresa ao Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, os moradores eram “ex-mulas de água” e parte de uma “geração perdida”.

Disse que crianças passavam o dia carregando água em vez de estar na escola. As declarações geraram repúdio imediato. “Falar que nós somos geração perdida? Eu sempre trabalhei e nunca deixei de trabalhar. Nunca fomos geração perdida”, disse um morador de uma comunidade vizinha ao empreendimento em Araçuaí (MG).

O “verde” do lítio vendido pela Sigma, contudo, é controverso. Investigações da Repórter Brasil revelaram créditos de carbono gerados em áreas suspeitas de desmatamento. A “febre do lítio” já avança sobre a Amazônia e alcança 21 áreas protegidas. Pedidos de pesquisa cercam 45 povos indígenas isolados, com 1.827 requerimentos minerários a menos de 40 quilômetros de suas terras, segundo levantamentos realizados pela repórter Isabel Harari.

A segunda rota alternativa aos fósseis são os biocombustíveis. O Brasil apresentou a expansão do etanol e do biodiesel como solução climática. Empresas e parlamentares defenderam a ampliação.

O deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) circulou por estandes empresariais promovendo o setor. O deputado tem entre os financiadores de sua campanha de 2022 importantes empresários ligados a esse segmento. Ao todo, considerando os recursos do fundo partidário, a campanha do deputado recebeu R$ 3,8 milhões em doações, o maior montante entre todos os deputados eleitos.

Mas há um dado importante: 74% do biodiesel brasileiro vem da soja. E a demanda por óleo vegetal para combustível cresceu mais de 60% na última década.

Durante a COP30, o Brasil lançou o Compromisso de Belém 4X que prevê quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035. O acordo não é vinculante e inclui etanol, biodiesel e SAF (combustível de aviação sustentável). Para cumprir a meta, setores envolvidos admitem a necessidade de expandir plantios de soja, milho e dendê.

Enquanto isso, a indústria defende mudanças na Moratória da Soja, que desde 2006 proíbe a compra de grãos cultivados em áreas desmatadas na Amazônia após julho de 2008. A moratória é considerada uma das políticas voluntárias mais eficazes do setor, tendo evitado milhares de hectares de desmatamento direto.

O conflito é evidente: quando a demanda aumenta, cresce também o impacto territorial. Lideranças indígenas já identificaram esse risco. “Antes de quadruplicar biocombustível, demarque territórios”, disse a cacica Yuna Miriam Tembé, do território indígena I’xing, no Vale do Acará (PA). Ela fez o alerta lembrando que a expansão da monocultura de dendê na região avançou sobre áreas indígenas, quilombolas e ribeirinhas.

Se a mineração se acha “top”, o agro segue acreditando que é “pop”. Os dois setores se apresentaram como pilares da transição energética brasileira. Contudo, o agro responde por 74% das emissões brasileiras, considerando desmatamento, pecuária e mudança do uso da terra, segundo o SEEG (O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa). Ainda assim, ocupou a conferência como se fosse um protagonista da solução climática.

A Agrizone, evento paralelo realizado próximo à COP oficial,  reforçou essa narrativa. O espaço reproduzia o aspecto de uma feira agropecuária, com churrasco incluído. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, circulou entre os estandes, comeu picanha e bebeu cerveja com ruralistas.

No mesmo churrasco estava Silvério Fernandes, que foi denunciado pela irmã Dorothy Stang na Polícia Federal em 2002, quando teria dito a ela que, se alguém invadisse suas terras, “teria sangue até a canela”.

Três anos depois, Dorothy foi assassinada. Após o crime, o pistoleiro, Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, se escondeu na fazenda de Délio Fernandes, irmão de Silvério. Délio foi investigado como possível mandante, mas não chegou a ser julgado. Silvério também não foi responsabilizado.

A cena contrastava com a outra ponta da conferência. Enquanto ruralistas se fartavam com picanha em áreas nobres e estandes climatizados, trabalhadores terceirizados da limpeza comiam sentados no chão, ao lado dos banheiros.

As lideranças Munduruku protagonizaram o ato mais contundente da COP30. Fecharam a entrada principal por quatro horas. Denunciaram contaminação por mercúrio, avanço do garimpo, hidrovias, a Ferrogrão e a expansão da soja.

Alessandra Munduruku pediu a revogação do Decreto 12.600, que estabelece diretrizes para implantação de hidrovias e abre caminho para projetos no rio Tapajós. Nenhum desses temas aparece nos parágrafos decisórios do acordo final. “O Tapajós não é mercadoria, o Tapajós não pode se negociar, é vida, somos nós”, disse uma das líderes do povo Munduruku.

A COP30 encerrou com avanços em justiça climática e adaptação. Mas deixou de fora o que mais emite e abriu espaço para duas rotas que o Brasil conhece bem: eletrificação com mais mineração e biocombustíveis com mais soja. Ambas são apresentadas como necessárias para reduzir emissões. Ambas já provocam impactos profundos quando implementadas sem garantias socioambientais.

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