Do Micro Ao Macro
Novos termos expõem limites da saúde mental nas empresas
Debate sobre saúde mental ganha força no trabalho, mas especialistas apontam que fenômenos recentes revelam demandas estruturais ainda sem resposta
A discussão sobre saúde mental entrou de vez na rotina das empresas. Termos como burn in, rust out, quiet quitting e quiet cracking passaram a circular para tentar explicar diferentes formas de desgaste emocional. Porém, segundo o médico e psicanalista André Fusco, referência em Ergonomia Mental, essas expressões refletem algo mais profundo no ambiente de trabalho.
Ele afirma que dar nomes ajuda, mas não resolve. Para Fusco, ainda é comum que a pessoa adoecida seja responsabilizada, enquanto as condições que produzem o sofrimento seguem pouco discutidas.
Superficialidade dos rótulos
Segundo o especialista, muitas pessoas evitam se afastar por receio de julgamento. Ele explica que a falta de segurança psicológica reduz a disposição para falar sobre dificuldades emocionais ou físicas, criando barreiras que afetam toda a equipe.
Desconexão no trabalho
O burn in descreve a exaustão ligada à autocobrança e ao perfeccionismo. Já o rust out aparece quando o trabalho perde sentido. Para Fusco, ambas as experiências nasceriam da mesma desconexão com o propósito profissional.
Entre esses extremos, surgem fenômenos como quiet quitting e quiet cracking. No segundo caso, a pessoa continua presente fisicamente, mas já se encontra distante do ponto de vista emocional, o que o especialista define como presenteísmo.
Custos invisíveis
O presenteísmo, afirma Fusco, costuma anteceder afastamentos por transtornos mentais. Ele observa que a perda de foco, a queda na capacidade de resolver problemas e a redução do engajamento são sinais de que o ambiente precisa ser revisto com atenção.
O especialista também aponta que o distanciamento em relação ao trabalho pode indicar Burnout. Segundo ele, quiet quitting e quiet cracking representam formas de despersonalização, um dos pilares do diagnóstico.
Saúde mental e normas trabalhistas
Nos últimos anos, o debate sobre saúde mental ganhou espaço. A atualização da NR-1, cuja obrigatoriedade passa a valer em 25 de maio de 2026, reconhece que fatores psicossociais se relacionam diretamente à organização do trabalho. Mesmo assim, apenas 5% das empresas afirmam estar totalmente preparadas, segundo pesquisa da Flash com 889 profissionais de Recursos Humanos.
Fusco afirma que ainda há foco excessivo nos sintomas individuais. Para ele, o avanço esperado da NR-1 está no reconhecimento dos ambientes que produzem sofrimento.
Estruturas e organização do trabalho
O especialista destaca que iniciativas de bem-estar e ações de autocuidado têm utilidade, mas atingem apenas o nível individual. Ele observa que metas inalcançáveis, excesso de controle e ausência de reconhecimento comprometem a saúde mental por retirarem o sentido da atividade realizada.
É nesse contexto que ele apresenta a Ergonomia Mental, abordagem que propõe ajustar a organização do trabalho às pessoas. Fusco afirma que ambientes saudáveis favorecem o desempenho justamente por resgatar utilidade, pertencimento e reconhecimento.
Escuta ativa
Para Fusco, o caminho envolve recuperar a capacidade de escutar. Ele afirma que respostas rápidas nem sempre alcançam a complexidade do sofrimento e que é necessário identificar se o cansaço vem da carga de trabalho ou da perda de sentido.
Na visão dele, ergonomia busca o maior conforto para elevar a produtividade. No caso da Ergonomia Mental, trata-se de olhar para as regras de organização do trabalho para que gerem saúde e não apenas sejam toleradas.
Impactos no desempenho
Segundo Fusco, resultados ligados à Ergonomia Mental aparecem no desempenho das empresas. Ele explica que, quando metas e processos deixam de dialogar com um propósito claro, aumentam afastamentos, litígios, presenteísmo e queda de engajamento.
Por outro lado, quando o trabalho faz sentido para quem executa, a produtividade cresce, os custos caem e as pessoas fortalecem sua identidade. Ele afirma que a saúde mental se conecta diretamente à sustentabilidade dos negócios.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.



