Liniker Xavier

Jornalista. Tem MBA em Mídias Digitais pela FGV e é doutor em Ciências da Religião pela Unicap Católica de Pernambuco

Opinião

Nomeação de Messias mostra que a religião pode habitar o Estado sem transformá-lo em púlpito

A democracia se constrói por camadas de inclusão, uma após a outra, até que o Estado comece, enfim, a se parecer com o país que representa

Nomeação de Messias mostra que a religião pode habitar o Estado sem transformá-lo em púlpito
Nomeação de Messias mostra que a religião pode habitar o Estado sem transformá-lo em púlpito
O advogado-geral da União, Jorge Messias. Foto: Daniel Estevão/AscomAGU
Apoie Siga-nos no

Desprovido de teatralidade, Lula não anuncia um “evangélico para o STF”, ele simplesmente escolhe. A escolha desmonta o imaginário construído pelo bolsonarismo. Enquanto o ex-presidente prometia um pastor que levaria Deus ao Supremo, Lula nomeia um jurista que devolve a fé ao silêncio da consciência. Não é a religião que santifica o cargo, mas o cargo que reeduca a religião ao retirá-la do campo da cruzada moral. 

As escolhas “terrivelmente evangélicas” do governo anterior, Kassio Nunes e André Mendonça, transformaram a identidade religiosa em credencial política, parte de um projeto de fusão entre crença, autoridade, moral e jurisprudência. Mesmo quando esses ministros não reproduziram de forma integral a agenda ultraconservadora, o bolsonarismo já havia alcançado o objetivo de capitalizar o capital simbólico do pertencimento, a sensação de que o altar havia conquistado a toga. Enquanto o esse movimento criou uma identidade de pertencimento que sobrepôs a fé à classe, convertendo o crente em categoria eleitoral, Lula passa o recado de que o território religioso pode ser habitado pela razão republicana e que o altar e a Constituição podem coexistir sem confusão de papéis. 

Desde a origem, o PT oscilou entre o legado da teologia da libertação e o ceticismo racional das universidades públicas, perdendo aos poucos a escuta do Brasil que ora em línguas estranhas e canta com as mãos erguidas. Nesse intervalo, abriu-se um vácuo que a direita ocupou com destreza. De lá para cá, os evangélicos deixaram de ser minoria e se tornaram a principal identidade religiosa emergente do País. A nomeação de Messias é, assim, um passo importante para reposicionar a esquerda. 

Sai a figura do “terrivelmente evangélico” e surge o “evangélico de Estado”, técnico, comprometido, que conhece e professa a fé, mas não a transforma em governo. Depois de anos em que a religião se confundiu com identidade partidária, é importante devolver à fé o espaço da convivência democrática. Lula sabe que, em 2026, o desafio não será conquistar os templos, mas reduzir o veto evangélico nas urnas e desmontar a ideia de que a esquerda é um corpo estranho no país das igrejas. Ao escolher um evangélico para o Supremo, a mensagem é de inclusão sem concessão moral. É improvável que isso se converta em votos, mas, se a eleição de 2026 opuser “Deus e democracia”, Lula parece disposto a afirmar que a democracia também pode ter fé, sem precisar pedir bênção a ninguém. 

Em tempo, é importante ressaltar ser um erro grave e sintoma de atraso que o Supremo Tribunal Federal tenha apenas uma mulher entre seus ministros. O fato não decorre desta indicação, mas de uma distorção estrutural que o país insiste em perpetuar. O problema é histórico e cumulativo, e a solução não pode recair sobre um único gesto, sob pena de transformar uma reivindicação legítima em armadilha moral. O Supremo ainda deve às mulheres o espelho de sua própria justiça. O Brasil, por sua vez, deve às mulheres o direito de julgar o Brasil. A democracia se constrói por camadas de inclusão, uma após a outra, até que o Estado comece, enfim, a se parecer com o país que representa.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo