Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Jards Macalé desafiou o mercado e reformou a música brasileira
Provocativo, independente e avesso a concessões, o artista deixa uma obra inquieta e profundamente influente
Morreu nesta segunda-feira, aos 82 anos, o cantor e compositor Jards Macalé. Ele estava internado em um hospital na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde tratava de problemas pulmonares.
Jards Anet da Silva (ou “Macau”, para os íntimos) foi um artista que preferiu o atrito à acomodação. Transitou entre Bethânia, Gal, Caetano e Gil, mas escolheu seguir uma trilha própria, frequentemente em choque com o mercado. Carregaria a pecha de “maldito” — os artistas criativos, potentes, mas de difícil penetração comercial — até o fim da carreira.
Não teria sido tão admirado, mesmo navegando contra a maré, se não fosse extremamente talentoso e criativo.
Nascido no Rio de Janeiro, foi um dedicado aluno de música, construindo uma base sólida erudita e popular. No violão, tinha como marca um toque “sujo”, como dizem os produtores, com aparente desleixo nas cordas, mas sustentado por técnica apuradíssima.
O talento o colocaria, ainda no início da carreira, em trabalhos importantes no fim dos anos 1960 e começo dos 1970. Tocou violão e dirigiu shows e discos antológicos de Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Para Gal, foi decisivo na virada da carreira da cantora com a produção de Legal (1970). No caso de Caetano, viajou até a Inglaterra, onde o baiano estava exilado, para produzir Transa (1972), um álbum experimental e criativo, profundamente marcado por sua estética.
Foto: Brendon Campos/Divulgação
Macalé também conversava com o cinema. Trabalhou com nomes de peso como Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade, para quem compôs a trilha de Macunaíma (1969).
Seu primeiro trabalho solo veio em 1972. Em 1974, lançou Aprender a Nadar. Embora bem recebido pela crítica, o músico não conseguiu se firmar junto ao grande público. Sua musicalidade anárquica e experimental não atraía plateias amplas — ainda que, no palco, fosse bem-humorado e carismático.
Seu temperamento também o afastava do mercado, que preferia artistas mais maleáveis. Suas músicas, porém, encontravam eco na voz de outros: Vapor Barato e Mal Secreto (ambas em parceria com Waly Salomão), gravadas por Gal Costa, tornaram-se clássicos.
Macalé fazia um jogo de gato e rato com a Tropicália
Seu lado político-contestador aparece de modo emblemático no projeto Banquete dos Mendigos, realizado em plena ditadura e com participação de vários artistas.
Nos anos 80 e 90, gravou pouco e só retornaria aos holofotes ao registrar Jards Macalé canta Moreira da Silva (2001).
Nas décadas seguintes, já octogenário, lançou seus dois últimos álbuns, Besta Fera (2019) e Coração Bifurcado (2023). Com músicas inéditas, as obras mostram ousadia e contemporaneidade, sem se prender a estilos. Trabalhos que dialogam com o presente e reafirmam aquilo que sua carreira inteira já mostrava: Jards Macalé sempre foi um reformador na música.
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