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O governo federal testa, em Natal, um projeto piloto para retomar territórios controlados por facções

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Cooperação. A governadora Fátima Bezerra e o ministro Ricardo Lewandowski unem forças no combate ao crime organizado – Imagem: BOPE/PMRN e Jamile Ferraris/Ministério da Justiça
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Enquanto governadores bolsonaristas articulam um consórcio para combater o que chamam de “narcoterrorismo” e parlamentares da extrema-direita sabotam abertamente a PEC da Segurança Pública, o governo Lula testa um projeto piloto no Rio Grande do Norte, administrado pela petista Fátima Bezerra, para retomar o controle de áreas dominadas por facções. A primeira comunidade contemplada será Mãe Luiza, em Natal, bairro de 13 mil habitantes próximo à Praia dos Artistas, com histórico de violência e alternância entre o domínio do Sindicato do Crime e do Comando Vermelho.

Frequentemente, a população local é submetida às “leis” do crime. Coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça, o projeto conta com assessoramento da Escola de Segurança Multidimensional da USP. Mais de 330 agentes – entre policiais militares, civis, federais e rodoviários federais – reforçarão o patrulhamento da região, que também receberá serviços para ampliar o acesso da comunidade à Justiça e assistência social, em modelo que lembra as antigas UPPs do Rio de Janeiro, posteriormente abandonadas e sucateadas.

Mario Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública, ressalta uma diferença fundamental: antes de qualquer operação policial, há coleta e análise de informações para orientar a ação. “É uma gestão integrada de segurança pública que trabalha com inteligência e análise criminal, com o objetivo de desenvolver sistemas que indiquem os dados a serem capturados para a ação. Passa por um estudo aprofundado de investigação e, na sequência, entraremos com a pacificação e a mediação de conflitos”, explica.

Em uma recente incursão, os agentes realizaram 30 prisões em Mãe Luiza, além da apreensão de armas e drogas, sem o registro de um único óbito. O contraste com a matança promovida pelo governo do Rio de Janeiro nas comunidades da Penha e do Alemão, que resultou em 121 mortes, é evidente. “Aos poucos, quando a saturação policial terminar, vamos implementar políticas públicas para atender a população”, acrescenta Sarrubbo­, lembrando que, após essa fase, o bairro contará com uma polícia comunitária “criando vínculos e conquistando a confiança dos moradores”. O balanço do projeto piloto será apresentado em dezembro. A ideia é aperfeiçoar o modelo, para expandi-lo a outros estados em 2026.

“Efetivamente, eu não vejo nada de novo. É mais do mesmo, no sentido de que a repressão policial que sobe a favela, por si só, não resolve. Os jovens buscam oportunidades e, se o Estado não as oferece, as facções acabam cooptando essa população, porque o crime é muito sedutor”, critica a antropóloga Juliana Melo, professora da UFRN. O sociólogo Cláudio de Jesus, também da UFRN, concorda que a ocupação territorial é fundamental, mas ressalva: “A presença da polícia não basta. É preciso controlar e regular os mercados de ilícitos. É difícil imaginar que o tráfico vá se extinguir apenas sufocando os vendedores, principalmente os varejistas”.

Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Crime, Violência e Políticas Públicas de Segurança da UFPE, o sociólogo José Luiz Ratton destaca a urgência de aprovar a PEC da Segurança para constitucionalizar uma política de Estado atualmente fragmentada. “É preciso um arcabouço jurídico definido pela Constituição, que estabeleça papéis e competências da União, dos estados e dos municípios, além de mecanismos de financiamento pelo governo federal, como já ocorre nas áreas de educação, assistência social e saúde”, diz. Ele reforça ainda a importância de ações que asfixiem economicamente as facções: “É preciso seguir o dinheiro, identificar conexões com a economia legal, e isso exige inteligência, compartilhamento de informações, algo que a Polícia Federal tem demonstrado ser viável”.

Antes das incursões policiais, haverá um sólido trabalho de inteligência, afiança o secretário nacional de Segurança Pública

A necessidade de coordenação entre os entes federativos é reforçada pelo sociólogo Luiz Cláudio Lourenço, professor da UFBA. “Sem uma articulação bem afinada, não teremos sucesso no enfrentamento ao crime organizado, que é estruturado e atua em rede”, destaca.

Além do projeto piloto em Natal, o governo federal tem promovido ações integradas em estados nordestinos, como Bahia e Ceará, que desarticularam núcleos regionais do Comando Vermelho. “A dinâmica dos mercados ilegais de drogas vai muito além de um estado específico, mas vinha sendo combatida por investigações locais. O avanço e a sofisticação do crime organizado exigem maior integração das forças de segurança”, afirma a antropóloga Jânia Aquino, da UFCE.

“As facções são um fenômeno social e funcionam como empreendimentos econômicos. Não adianta desbaratar um esquema em determinado território se, pouco depois, a droga continuar chegando. Esses grupos não dependem apenas dos soldados armados, presentes naquele momento. Eles têm uma estrutura sólida. As estratégias de enfrentamento precisam ser pensadas para além do problema localizado”, emenda Luiz Fábio, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da UFCE.

No início de novembro, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, participou da reunião da Câmara Temática de Segurança Pública do Consórcio Nordeste e reforçou a parceria com os estados. “Respeitamos a atuação dos governadores, dos estados e, inclusive, dos municípios. No entanto, é preciso que haja uma integração nacional, porque o crime não é apenas local nem nacional, possui uma dimensão global.”

Governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste, Rafael Fonteles defende o intercâmbio entre estados e União e afirma que o modelo tem dado resultados. “É só reforçando a integração das forças estaduais com as forças federais que vamos conseguir combater a criminalidade. Os governadores do Nordeste apoiam a PEC da Segurança Pública e o PL Antifacção porque defendem uma integração maior de dados e das inteligências das polícias estaduais entre si e com as forças nacionais.” •

Publicado na edição n° 1388 de CartaCapital, em 19 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘UPP potiguar’

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