Do Micro Ao Macro
Mão amiga
Estudo comprova que apoio consultivo e crédito estruturado ampliam a sobrevivência e a diversificação das pequenas e médias empresas
Para uma pequena ou média empresa, ultrapassar os cinco anos de atividade é uma vitória estatística. A maioria não chega até lá. Seis em cada dez negócios abertos no Brasil fecham as portas antes desse prazo. Aqueles que permanecem enfrentam instabilidade, falta de crédito e falhas de planejamento. Ainda assim, sobrevivem, e a dúvida é o que as faz seguir.
Todo negócio carrega seu próprio risco. Nem toda ideia é brilhante, nem sempre o fracasso vem do ambiente, mas muitas vezes as barreiras estruturais sufocam boas iniciativas. Antes de nos aprofundarmos no tema, é preciso dizer que a alta taxa de mortalidade empresarial nem de longe é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Nos Estados Unidos, menos da metade (47%) das novas empresas sobrevive aos primeiros cinco anos de operação, de acordo com os dados da Small Business Administration. Passada uma década, menos de 35% continuam ativas, de acordo com o Bureau of Labor Statistics. Na União Europeia, o cenário é semelhante. Segundo dados do Eurostat, 45% das empresas criadas em 2014 permaneciam ativas em 2019, com variações significativas entre os países. Na Suécia e na Bélgica, a taxa de sobrevivência em cinco anos ultrapassa 57%, enquanto na Lituânia e em parte do Leste Europeu não chega a 30%. No primeiro ano, o índice europeu médio é mais alto, cerca de 82%, o que indica que o problema global do empreendedorismo não é começar, mas sustentar o crescimento.
Esses dados revelam que a sobrevivência empresarial depende menos do ambiente macroeconômico e mais da qualidade das relações que sustentam o negócio. Um estudo da Fundação Getulio Vargas, encomendando pelo Itaú Empresas, intitulado Empresas Que Geram Valor: O Impacto da Relação Financeira na Prosperidade das PMEs, oferece novas pistas sobre essa equação. A pesquisa analisou a base de 1,7 milhão de micro, pequenas e médias empresas clientes do Itaú e constatou que a combinação de crédito estruturado e atendimento consultivo amplia em 30% a taxa de sobrevivência após cinco anos. No primeiro ano, o aumento é perceptível, com uma chance 8,6% maior de seguir em operação.
O levantamento utilizou uma metodologia considerada de fronteira, baseada em três técnicas complementares. A primeira, o matching 1:1, pareou cada empresa cliente a uma “gêmea” não cliente do mesmo setor, porte e localidade. A segunda, de “diferenças-em-diferenças”, acompanhou as companhias ao longo do tempo para medir os efeitos diretos do relacionamento bancário, isolando choques externos. Por fim, a “matriz de insumo-produto”, desenvolvida a partir dos dados do IBGE, mediu o impacto agregado do crédito sobre PIB, emprego, renda e arrecadação.
Quanto mais duradoura a parceria, maior a longevidade
Os resultados indicaram que o relacionamento consultivo tem efeito prolongado e cumulativo. Quanto mais duradoura a parceria, maior a capacidade de adaptação das empresas. Esse acompanhamento contínuo resulta em decisões mais precisas, ampliação de atividades e gestão financeira mais equilibrada. O empresário que aprende a interpretar seus próprios números e o ambiente no qual atua passa a resistir pelo maior preparo.
A pesquisa também mostrou que o apoio estratégico contribui para diversificar a base produtiva. As empresas analisadas apresentaram, em média, 25% mais registros de CNAEs (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) do que aquelas sem orientação. Em outras palavras, tornam-se mais complexas, inovam e buscam novas fontes de receita. Um exemplo real descrito pelos pesquisadores é o de uma padaria que, após receber aconselhamento, expandiu sua atuação e passou a produzir industrialmente pães e doces, reduzindo a dependência das vendas diárias.
O efeito multiplicador é visível quando se nota que cada real concedido em crédito produtivo, estima-se um acréscimo de 1,56 no PIB. Em cinco anos, o impacto acumulado alcança 486 bilhões de reais, com a manutenção de 6 milhões de empregos, 227 bilhões em renda das famílias e 156 bilhões em tributos arrecadados. Somente em um ano, o crédito produtivo somou 97 bilhões em impacto sobre o PIB e sustentou 1,2 milhão de postos de trabalho.
Para o professor Daniel da Mata, coordenador da pesquisa, a evidência empírica demonstra que o crédito, quando associado a orientação e confiança, torna-se instrumento de desenvolvimento. “Quando o relacionamento financeiro é pautado por proximidade e planejamento, a empresa ganha fôlego e o País colhe estabilidade. A diferença está em transformar o crédito em ponte, não em obstáculo.”
O apoio consultivo estimula a inserção internacional dos pequenos e médios empreendimentos. As empresas acompanhadas têm 70% mais chance de exportar e 50% mais chance de importar do que as demais. Exportar, observam os economistas, exige visão de futuro e eficiência operacional, gerando ganhos de produtividade e margens de lucro entre 15% e 25%. Importar insumos e tecnologias de maior qualidade aumenta, por sua vez, a competitividade e reduz custos.
Para Cadu Peyser, diretor de estratégias para PMEs do Itaú, cuja base serviu de referência para o estudo, o papel das instituições financeiras vai além do crédito. “O sistema financeiro pode e deve ser parte da solução para os desafios do empreendedorismo no Brasil. O apoio consultivo cria vantagem competitiva e ajuda negócios promissores a atravessar períodos de incerteza. Esse é o verdadeiro motor de desenvolvimento econômico e social.”
Além de medir a sobrevivência, o estudo iluminou um debate sobre desenvolvimento. Ele mostrou que a prosperidade das pequenas e médias empresas é um indicador da maturidade econômica de um país e que políticas públicas eficazes precisam enxergá-las como protagonistas, não coadjuvantes. Nesse ponto de equilíbrio entre preparo e ousadia, o que emerge é o que os pesquisadores definem como “impulso empreendedor”, a energia que permite atravessar crises, adaptar-se às mudanças e manter viva a capacidade de gerar valor. •
Publicado na edição n° 1388 de CartaCapital, em 19 de novembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Mão amiga’
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