

Opinião
A COP30 entre os EUA e a China
Com Washington fora do jogo e Pequim reforçando presença, o Brasil tenta fazer do Fundo Florestas Tropicais para Sempre o emblema de uma diplomacia climática do Sul global
A COP30 em Belém do Pará testemunha uma das mais agudas divisões geopolíticas da história das conferências climáticas. Sob a administração de Donald Trump, os Estados Unidos não enviarão qualquer representante para as negociações, após fechar seu escritório de diplomacia climática e retirar-se do Acordo de Paris.
Em movimento oposto, a China confirmou a participação de seu vice-primeiro-ministro Ding Xuexiang, sinalizando engajamento em um momento de reconfiguração de lideranças globais.
Como principal membro do BRICS+ na América-Latina, o Brasil é desafiado com a tarefa de ser força motriz de transformação da economia política da Amazônia. O país articula uma nova participação internacional no financiamento ao desenvolvimento regional e na preservação do meio ambiente.
Esta tarefa histórica seria erguida tanto por uma nova atuação de bancos multilaterais de desenvolvimento como através a Tropical Forest Forever Facility (TFFF), fundo de US$ 125 bilhões que pretende revolucionar o financiamento florestal e consolidar o país como ponte entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento.
A ausência dos EUA na COP30 transcende o simbólico: reflete uma guinada estratégica que impacta diretamente o arcabouço financeiro climático. Washington não deve submeter uma Contribuição Nacionalmente Determinada atualizada, essencial para o ciclo de investimentos estipulado no Acordo de Paris.
Substantivamente, os EUA se colocam no sentido de atrapalhar qualquer andamento na agenda climática, em franca tentativa de atrapalhar o movimento global rumo ao desenvolvimento das forças de produção de nova geração.
Esse movimento ocorre quando a presidência brasileira da COP tenta implementar o “Roteiro Baku-Belém”, que visa escalar financiamentos de US$ 300 bilhões anuais (acordados em Baku) para 1,3 trilhão de dólares até 2035.
A China, ao enviar uma delegação substantiva, busca ocupar espaços de influência em temas críticos como adaptação e financiamento, mas especialistas alertam que Pequim dificilmente preencherá sozinha a lacuna deixada pelos EUA. Como destacou a ONG Christian Aid, sem o engajamento de todas as economias desenvolvidas, a meta de 1,3 trilhão de dólares permanece aquém do exequível.
A presença da Califórnia sinalizou uma dissidência interna relevante no cenário político norte-americano. O Estado, com economia equivalente à de países do G7, reafirmou seus compromissos climáticos autônomos, propondo parcerias diretas com o Brasil e a União Europeia em mecanismos de compensação de carbono e tecnologias de energia limpa.
Essa postura traduz uma tentativa de preservar a credibilidade ambiental norte-americana por meio da diplomacia subnacional. Representantes de grandes corporações tecnológicas também defenderam a continuidade de investimentos em hidrogênio verde e captura de carbono, enfatizando que a transição energética é também um imperativo econômico.
Entretanto, a ausência da Casa Branca limita a efetividade dessas iniciativas, pois esvazia o peso político das negociações multilaterais. O vazio deixado por Washington tende a ser preenchido por um mosaico de coalizões regionais e empresariais, mas sem a coordenação necessária para sustentar um sistema global coeso.
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre emerge como carro-chefe da diplomacia climática do Brasil em Belém. Trata-se de um mecanismo de financiamento de capital híbrido, mesclando investimento público e capital privado. Pretende-se alcançar cerca de 125 bilhões de dólares – sendo 25 bilhões de países soberanos e 100 bilhões do setor privado – para remunerações baseadas em performance florestal.
Diferentemente de mecanismos anteriores como o REDD+, o TFFF não se baseia em créditos de carbono, mas em pagamentos diretos por conservação. O Brasil já sinalizou um aporte inicial de 1 bilhão de dólares, enquanto Alemanha, Noruega, Reino Unido, França e Emirados Árabes são pressionados a anunciar contribuições durante a COP30.
Os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs) são peças-chave nesse quebra-cabeça, tendo fornecido cerca de 125 bilhões de dólares em financiamento climático público. Este valor, embora recorde, representa menos da metade dos 282 bilhões de dólares anuais que a ministra Marina Silva defende serem necessários apenas para proteção florestal.
Uma maior participação chinesa nos mecanismos de financiamento ao desenvolvimento pode ser uma rota para a materialização do relacionamento China-Brasil. Atingindo o nível de Comunidade de Futuro Compartilhado Brasil-China por um Mundo Mais Justo e um Planeta Mais Sustentável, está determinado que um crescimento conjunto está no centro de uma nova jornada para o relacionamento internacional de ambos os Estados.
O caráter de nova jornada foi refletido no 15º Plano Quinquenal, abrindo novos horizontes para a cooperação internacional entre a China e os demais países em desenvolvimento. A adesão a uma nova economia do baseada na inovação implica também no estabelecimento de novas forças produtivas de alta qualidade, uma vez que a China se consolida como o principal vetor de transformação da economia internacional. Um novo papel de Pequim em mercados financeiros perpassa a agenda climática diretamente, com o potencial transformativo das relações de produção na América-Latina.
Para o Brasil, a COP30 será a oportunidade de assumir certo papel de mediador de consensos em matéria climática. O financiamento internacional para florestas requer uma abordagem integrada e em camadas. O sucesso da COP30 em Belém poderá definir não apenas o futuro de 1 bilhão de hectares de florestas tropicais, mas o próprio papel do Sul global na governança climática do século XXI.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.



