Fora da Faria
Uma coluna de negócios focada na economia real.
Fora da Faria
Qualidade tangível é vantagem competitiva no mercado de cervejas
A Ambev entendeu que preço não é patrimônio, é reflexo do valor percebido
Empresas e marcas concordam com uma afirmação básica: a qualidade do produto define o consumo. Embora simples, a frase nem sempre é seguida de maneira efetiva nos produtos de consumo. Qualidade pode ser transformar em um slogan mas se não for tangível deixa de ser real. O tempo cobrará.
Empresas líderes não podem abrir mão de qualidade em toda a operação. O motivo é simples. Processos ruins não produzem bons produtos. Relações comerciais frágeis não geram envolvimento da cadeia comercial. Matérias-primas de origem duvidosa não geram qualidade final. Publicidade banal não garante percepção. O fato é que qualidade define o sucesso de uma empresa. É preciso concentrar os esforços nessa direção.
Aqui vale um capítulo à parte para a Ambev. A maior empresa global de cervejas nasceu no Brasil de um histórico de sucesso. Fez campanhas memoráveis e enfrentou, como líder de mercado, debates sobre a cerveja brasileira. E aqui vale um recorte: a maioria das críticas sobre o produto nacional está baseada em uma certa soberba de que o consumidor é desqualificado. É como se um grupo de enorme sapiência dissesse que o consumo da imensa maioria não tem a mínima importância. Esses iniciados acham que se houvesse uma promoção com a inscrição “bebida ruim de graça” os consumidores fariam fila.
Qualidade real de um produto é a qualidade percebida. Ela só é efetiva com todos os fundamentos da empresa em ordem. A referência à Ambev é pelo fato de a empresa seguir uma cartilha de sucesso que deveria servir de exemplo para outras marcas, independente do segmento. A empresa reconhece que preço não é patrimônio. E que a percepção de benefícios é que determina o preço justo.
Para organizar os conceitos de maneira estruturada é possível criar um modelo de entendimento da operação da Ambev.
Qualidade dos insumos responsável por garantir o processo inicial de produção do produto. Insumos ruins não geram bons produtos.
Qualidade de processos produtivos: o processo tem que ser respeitado em suas qualidades intrínsecas. Tempo de produção e maturação especialmente.
Qualidade do produto: nesse caso o que vale é o teste do consumidor. Desrespeitar o consumidor é tentar empurrar para ele um produto que não o agrada, não respeita o que ele prefere, com o argumento de que ele não sabe o que é bom. A qualidade do produto é uma maratona. Para ela vale o exemplo da linha sem álcool da empresa. Cervejas sem álcool eram produtos que, nem de longe, se assemelhavam aos produtos tradicionais. O aroma e o sabor deixavam muito a desejar. Hoje a situação mudou. As cervejas sem álcool foram aprimoradas e cresceram no portfólio. Destaca-se aqui o que a empresa fez com a Corona Cero, Bud Zero e Brahma 0,0%. Os produtos ganharam aceitação muito maior adequando a possibilidade de consumir cerveja – com sabor e aroma da categoria – com a opção de ser uma bebida sem álcool. Passaram no teste de qualidade do consumidor.
Qualidade estratégica: é a que faz com que a empresa tenha competência para produzir o que vende mas, ao mesmo tempo, compreender que tem que produzir para a próxima etapa de consumo. Novos produtos, segmentos e marcas podem não ter aceitação imediata. Fazer gestão de seu portfólio entendendo que marcas, embalagens, regiões e canais. Não é simples. A maioria das empresas depende de uma marca e não consegue fazer a gestão do que produz.
Qualidade comercial: qual a vantagem para o ponto de vendas vender o produto? A resposta está no giro e no lucro para o canal. A qualidade está na capacidade de uma marca em ajudar o negócio dos parceiros comerciais.
Qualidade percebida de produtos: não tem discussão o produto deve ser bom na opinião do consumidor. Especialistas não são consumidores. Pouco importa o que dizem se não respeitarem o que o consumidor deseja.
Até aqui toda empresa pode decidir seguir esse mantra e ocupar esse espaço. Mas há um item difícil de enfrentar a Ambev. A qualidade logística. A fidelização do consumidor de cerveja está na possibilidade de encontrar o produto no canal em que ele está, com preço compatível com o valor que ele considera justo pela qualidade percebida do produto. Essa mensuração é uma vantagem estratégica que não tem semelhança no Brasil. A Ambev entendeu há muito tempo que a vantagem competitiva deve ser gerida com atenção.
A capacidade da empresa pode ser notada em marcas, nas percepções que ela consegue criar para produtos distintos. Um exemplo é o segmento premium. Desde 2019 a Ambev reforçou o olhar para esses produtos. O resultado foi um crescimento de cerca de 200% até 2025, fazendo com que o conjunto de marcas como Stella Artois, Corona, Spaten, Original e Chopp da Brahma ganhassem mais presença em canais e volume. No terceiro trimestre deste ano, o crescimento foi de 15% – e a Ambev retomou a liderança no segmento
Olhar para a Ambev é uma recomendação para qualquer empresa de produtos de consumo. A qualidade não pode ser restrita a itens dispersos nem a slogans de campanhas. Tudo tem que estar alinhado. Mas isso exige comprometimento e resiliência que, ao final, são qualidades raras e determinantes para o sucesso.
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