

Opinião
Operação de Castro não derrubou Lula e pode fortalecer discurso do governo
A ideia de que o massacre ‘freou’ a melhora da avaliação do presidente só faz sentido se a aposta for que, em breve, a tendência voltará a ser de alta. E há razões para isso
A montanha pariu um rato. Após a chacina promovida pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, o noticiário político foi inundado com análises que profetizavam uma queda na popularidade do presidente Lula. Afinal, a esquerda “tem dificuldade” com o tema da segurança pública, e a população, diziam, apoiaria de forma quase unânime operações brutais como a conduzida pela PM fluminense.
Pois bem, no dia 12 de novembro, 15 dias depois da matança da PM do Rio de Janeiro, um levantamento da Quaest mostra que o tombo não veio. O levantamento registrou variações na margem de erro, com a desaprovação de Lula subindo de 49% para 50% e a aprovação caindo de 48% para 47%. As manchetes agora falam em “estabilidade” ou “tema da segurança freia recuperação de Lula”.
A ideia de que a conjuntura posterior aos eventos ocorridos na capital fluminense tenha “freado” a melhora da avaliação do Lula só é coerente se a análise indicar que, no próximo período, a popularidade do presidente tende a subir novamente. Os meses de dezembro e janeiro serão de inflação controlada, começo da isenção do imposto de renda e, provavelmente, de avanços na disputa política do tarifaço com os EUA. A vitória de Lula nesse tema certamente entregará mais pontos na avaliação positiva.
De fato, a estabilidade na avaliação de Lula tem a ver com o tema da segurança pública, mas não somente ele: a realização da COP30 em Belém vem dominando o noticiário e impacta nessa dimensão da popularidade. Trata-se de um evento complexo, marcado por uma paralisia do sistema internacional que provoca uma descrença generalizada quanto à sua efetividade, embora várias notícias positivas estejam circulando. Ademais, a ação do governo na agenda climática é contraditória, com avanços em temas como o combate ao desmatamento convivendo com a permanência do incentivo aos combustíveis fósseis que impacta segmentos do eleitorado. Vale lembrar que a exploração do petróleo da Margem Equatorial foi rejeitada pela maioria da população segundo uma pesquisa do Datafolha de outubro de 2025, com 61% das pessoas contrárias.
Já com relação ao tema da segurança pública, uma análise mais cuidadosa dos eventos recentes e dos números das pesquisas mostra que a situação é mais aberta do que as manchetes alarmistas pressupõem. O apoio à operação de Cláudio Castro é efetivo, porém há também um amplo apoio às ações sem violência, como a que a Polícia Federal realizou contra o PCC em agosto de 2025.
Não por acaso, na própria Quaest, caiu 4 pontos o índice de rejeição do governo federal no quesito segurança pública, enquanto a avaliação regular subiu 4 pontos. Trata-se de uma variação significativa a favor do governo e acima da margem de erro. Mesmo a avaliação positiva do governo também se alterou, mas dentro da margem de erro, com aumento de 1%.
Além disso, 55% não gostariam de uma operação igual a do Rio de Janeiro ocorresse em seus estados, enquanto apenas 11% acham que se resolve a segurança pública com mais polícia nas ruas. Esses dois dados são muito significativos sobre o potencial que o governo Lula tem para consolidar um projeto de combate ao crime organizado baseado em ações de inteligência, que ataquem o centro financeiro das facções.
Durante a tramitação, na Câmara, do projeto de lei que estrutura a política de combate ao crime organizado, o presidente da Casa, Hugo Motta, entregou a relatoria ao deputado e secretário de Segurança paulista, Guilherme Derrite — o homem por trás do endurecimento da PM de Tarcísio de Freitas. O gesto tinha claro viés político: Derrite é nome forte do bolsonarismo e cotado para o Senado ou o governo estadual.
O primeiro relatório de Derrite, apresentado na noite de 10 de novembro, modificou substancialmente o projeto enviado por Lula. Duas mudanças se destacam: equiparação de determinados crimes cometidos por facções a terrorismo – em linha com a lógica imposta pelo governo Trump para justificar intervenções em países latino-americanos – e a exigência de autorização dos governos estaduais para a atuação da Polícia Federal, o que na prática reforçaria o poder dos Executivos locais sobre o tema.
Em 11 de novembro, a reação foi imediata. A mobilização do governo e do campo progressista forçou Derrite a recuar. A equiparação ao terrorismo abriria margem para sanções internacionais — medida impopular e rejeitada até por setores conservadores —, e a limitação à PF virou alvo de críticas massivas nas redes, interpretada como favorecimento ao crime organizado.
O resultado, para além do recuo, foi a possibilidade do governo Lula mostrar, no curto e médio prazo que a extrema-direita favorece os grandes financiadores do crime organizado. E que é possível enfrentar as facções com uma estratégia que não promova chacinas e matanças.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.



