Fashion Revolution
COP30 pode colocar a moda na agenda climática e promover transição justa para os trabalhadores do setor
Dados inéditos mostram que a indústria da moda ainda tem baixa transparência climática e que suas emissões de gases de efeito estufa superam as de Portugal
A contagem regressiva para a maior conferência internacional sobre clima já começou. Pela primeira vez no Brasil, a COP30, que ocorrerá de 10 a 21 de novembro em Belém do Pará, já conta com mais de 130 países com presença confirmada.
Como nas edições anteriores, espera-se a participação de diversos setores, como o do agronegócio e o de energia fóssil, além de outros atores, como a sociedade civil de diferentes partes do mundo.
Nas últimas edições, o setor da moda sempre teve uma participação tímida. Ao longo dos anos, mesmo com o crescente destaque da indústria na mídia devido aos seus impactos ambientais e sociais, ainda há um grande distanciamento em relação à pauta climática.
Por outro lado, é preciso lembrar que a moda segue sendo um dos um dos segmentos mais poluentes do planeta e, ao mesmo tempo, uma das maiores empregadoras da indústria de transformação, movimentando mais de 200 bilhões de reais somente no Brasil.
Anualmente, estima-se que a moda gere 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis, o equivalente a despejar um caminhão de roupas por segundo no planeta. Projeções indicam que o setor responde por 20% da poluição global da água e é fonte de 9% dos microplásticos lançados nos oceanos por ano.
E não para por aí: a moda alimenta o desmatamento: mais de 100 marcas já foram ligadas ao desmatamento da Amazônia pelo couro. No Cerrado, onde é produzido mais de 90% do algodão brasileiro, pesquisas apontam grilagem, desmatamento ilegal e violações aos direitos humanos.
Se nada mudar, a indústria da moda ultrapassará em 50% o limite necessário para manter o aquecimento em 1,5 °C. Isso mostra que a transição energética da indústria é urgente, desde a eletrificação das fábricas até a substituição dos combustíveis fósseis ao longo da cadeia.
Cadeia essa, inclusive, que emprega majoritariamente mulheres, pessoas racializadas e trabalhadores do Sul Global, muitos em condições precárias ou de vulnerabilidade à escravidão moderna.
Esse duplo papel coloca a moda no centro da agenda climática: de um lado, responsável por graves impactos socioambientais; de outro, com enorme potencial de transformação social, se trabalhadores e trabalhadoras forem colocados no centro da discussão.
Setor ainda caminha devagar rumo à transparência climática
Em meio às discussões sobre clima e na tentativa de que esse cenário mude, o Fashion Revolution Brasil acaba de lançar o Índice de Transparência da Moda: Edição Clima, uma versão inédita do maior estudo de transparência do país, focada especialmente nos dados climáticos divulgados pelas 60 maiores empresas de moda que operam no Brasil.
Porém, o cenário não é animador: a pontuação média geral das 60 marcas analisadas foi de apenas 24%, o que aponta para um panorama de opacidade crítica. Entre as marcas avaliadas, 27 não divulgaram sequer informações básicas sobre emissões de gases de efeito estufa, uso de energia renovável ou estratégias para proteger os trabalhadores da cadeia de produção.
Isabella Luglio, coordenadora de pesquisa do Instituto, afirma que “é impossível ignorar a relação entre a moda e a crise climática. A menos de cinco anos do prazo estabelecido pelo Acordo de Paris, o setor precisa agir com urgência”. A pesquisadora explica que a ideia do estudo é que ele funcione “como um instrumento de mobilização e pressão, e incentive o setor a assumir sua responsabilidade com o meio ambiente e com os trabalhadores”.
O relatório, que está dividido em cinco seções (rastreabilidade; emissões de carbono; descarbonização e desmatamento zero; aquisição e uso de energia renovável; e transição justa) mostra que o pior desempenho foi na seção de transição justa: 65% das marcas receberam nota zero, sem apresentar qualquer iniciativa para proteger os trabalhadores, geralmente os mais afetados por eventos climáticos extremos.
Outro dado alarmante é que as emissões de Escopo 3 de apenas 22 marcas que divulgaram essa informação já somam 59,3 milhões de toneladas de CO₂, mais do que as emissões anuais de Portugal.
Outros achados incluem que apenas 12% das marcas mostram redução real de emissões em relação ao ano-base de suas metas; 80% não têm compromissos públicos de desmatamento zero e que apenas 23% divulgam a origem de pelo menos uma de suas matérias-primas, etapa onde há maior risco de desmatamento.
No ranking, Renner e Youcom lideram a lista, com 76% de pontos de transparência, seguidas por Adidas, Ipanema e Melissa, que alcançaram 65%.
Na outra ponta, 27 empresas — Amaro, Besni, Brooksfield, Caedu, Carmen Steffens, Cia. Marítima, Colcci, Dakota, Di Santinni, Dumond, Ellus, Fórum, Gabriela – Studio Z, Havan, Klin, Leader, Lojas Avenida, Lojas Pompéia, Marisol, Moleca, Osklen, Penalty, Puket, Sawary, Shoulder, TNG e Torra — obtiveram pontuação zero, indicando ausência total de transparência em relação a compromissos climáticos.
A presença da moda na agenda climática internacional
O movimento #ModaPeloClima, que se desenvolveu desde 2022 e ganhou força por conta da COP30, traz uma principal demanda da sociedade civil: garantir uma transição justa, colocando os trabalhadores e trabalhadoras da moda no centro do debate climático.
O Índice de Transparência da Moda – Clima mostrou que, atualmente, 98% das marcas não publicam um compromisso público com uma estratégia de transição justa, e nenhuma divulga investimentos em adaptação climática para seus fornecedores.
Essa realidade aponta uma contradição; afinal, enquanto grandes marcas acumulam lucros explorando pessoas, recursos naturais e combustíveis fósseis, são os trabalhadores e comunidades da cadeia de valor que pagam o preço mais alto da crise, com salários baixos, jornadas exaustivas sob calor extremo e vulnerabilidade diante de desastres climáticos.
Durante a Conferência, é esperado que, além da sociedade civil, outros atores também participem das articulações, como associações têxteis, designers, consultores e representantes da própria indústria. Pela primeira vez, há expectativa de que o tema da moda avance e conquiste um espaço mais sólido na agenda climática nacional e internacional.
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