Sociedade
Por que chef paraense se recusou a cozinhar menu vegano para o príncipe William
Saulo Jennings afirmou que não se sentiria ‘confortável’ em preparar um cardápio sem os peixes amazônicos
O chef paraense Saulo Jennings sente tamanha paixão pelos sabores da floresta amazônica – como o pirarucu – que se recusou a preparar um jantar vegano para a cerimônia de entrega de prêmios ambientais organizada pelo príncipe William, da Inglaterra.
No entanto, este cozinheiro de 47 anos está pronto para impressionar os chefes de Estado na COP30, a cúpula que acontece esta semana em Belém do Pará, com um jantar imersivo que exibirá ingredientes tanto vegetais quanto animais da maior floresta tropical do mundo.
Jennings foi nomeado embaixador gastronômico da ONU em 2024 e já cozinhou para presidentes, diplomatas e celebridades como Mariah Carey.
Nascido e criado em Santarém, às margens do rio Tapajós, no Pará, onde há 16 anos abriu o primeiro de seus seis restaurantes, Jennings disse à AFP que, para ele, a sustentabilidade se baseia no equilíbrio.
Pergunta: Por que você decidiu não cozinhar para o príncipe William e os 700 convidados do jantar dos prêmios Earthshot, no Rio de Janeiro, esta semana?
Resposta: “Na verdade, eu nunca recusei cozinhar para o príncipe. O que aconteceu foi um ruído de comunicação. O pedido que chegou para mim foi para fazer um cardápio 100% vegano, e eu expliquei que não me sentia confortável em assinar um menu assim, porque meu trabalho é justamente mostrar que a Amazônia é sustentável e isso inclui os peixes.
Eu até sugeri fazer um cardápio amazônico com maioria de pratos com vegetais, mas incluindo também os peixes de manejo, o que acabou não sendo aceito. Até onde sei, não foi uma exigência da família Real.”
A organização Earthshot preferiu não comentar.
P: O veganismo tornou-se sinônimo de alimentação ética. O que você pensa a respeito?
R: “Eu entendo a importância dessa tendência e respeito muito quem escolhe esse caminho. Mas acho perigoso quando o veganismo é tratado como sinônimo de sustentabilidade.
São coisas diferentes. A floresta é um ecossistema de equilíbrio, ela precisa das pessoas, dos animais e das plantas vivendo juntos. O que me preocupa é quando isso vira uma imposição cultural.
Os habitantes da Amazônia são veganos, vegetarianos e carnívoros sem pensar nisso de forma específica. Comemos o que a floresta nos dá. Essa relação com a comida é ancestral.”
P: Inicialmente, alguns pratos locais típicos, como o açaí, a maniçoba e o tacacá foram excluídos do cardápio da COP30 por medo de contaminação. O que o você acha disso?
R: “Eu fui o primeiro a questionar isso, inclusive junto ao ministro brasileiro do Turismo [Celso Sabino], e conseguimos fazer uma errata na licitação. Seria um absurdo o mundo inteiro vir conhecer a Amazônia e a gente não poder servir a nossa própria comida.
Muita gente de fora ainda tem medo da nossa comida, e acaba pedindo frango ou peru, quando poderia comer um pirarucu que é nobre, saboroso e sustentável.”
P: Quais sabores amazônicos você levará à COP30?
R: “A base de tudo para mim é a mandioca. Dela vem o tucupi, a farinha, a goma, a maniçoba. É um símbolo da nossa identidade. Mas também amo trabalhar com castanha-do-pará, jambu, mel de meliponas, feijão manteiga de Santarém, jerimum, banana, tucupi preto e queijo do Marajó.
Na COP, eu quero que o mundo prove esses sabores e entenda que a floresta também fala pela comida.”
P: Você considera a culinária amazônica uma ferramenta de conservação?
R: “Totalmente. A culinária é uma das formas mais diretas de proteger a floresta. Quando você consome um peixe de manejo, uma farinha artesanal, um tucupi de verdade, você está ajudando uma cadeia que mantém pessoas na beira do rio e impede o desmatamento.
O comer amazônico é um ato político de conservação.”
P: O que influenciou sua relação com a comida?
R: “Eu sou filho, neto e bisneto de gente que vive dessa terra. E é essa mistura indígena, ribeirinha, cabocla que forma a minha cozinha. A comida para mim é memória, é resistência e é a forma mais bonita de contar quem nós somos.
Quando a gente fala de Amazônia, ainda há quem ache que é exótico e não entende que é ciência, técnica e tradição.
O meu sonho é ver um prato de pirarucu sendo servido com o mesmo prestígio que um ceviche peruano ou uma massa italiana.”
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