Do Micro Ao Macro
Empresas que se antecipam às novas regras do ICMS transformam obrigação fiscal em vantagem competitiva
Mudanças em São Paulo após a Operação Ícaro e a transição para o novo sistema tributário exigem gestão estratégica e tecnologia na restituição de créditos
A reforma tributária em andamento no Brasil está redesenhando a forma como as empresas lidam com a tributação sobre o consumo. Um dos pontos centrais dessa transformação é a extinção gradual do ICMS até 2033, substituído pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), previstos na Lei Complementar nº 214/2025.
Em São Paulo, os efeitos já são sentidos. Após a Operação Ícaro — que revelou esquemas de corrupção envolvendo auditores fiscais e grandes varejistas —, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado implementou novas regras para a restituição de créditos do ICMS. As mudanças introduzem auditorias completas, cruzamento automatizado de dados e rastreabilidade ampliada das operações, com o objetivo de aumentar a transparência e a segurança no processo.
Segundo os especialistas tributários Leonel Siqueira e Fabricio Canale, as novas normas impõem às empresas um novo padrão de controle. “As companhias precisarão investir em tecnologia e compliance fiscal para evitar perdas financeiras e aproveitar as oportunidades criadas pelo novo regime”, afirmam.
Transição exige planejamento e precisão
O regime de transição prevê que os saldos credores acumulados de ICMS deverão ser homologados a partir de 1º de janeiro de 2033. Os prazos de compensação podem chegar a 20 anos, com correção pelo IPCA. Para as empresas, isso significa a necessidade de uma gestão tributária rigorosa, capaz de antecipar cenários e garantir a correta restituição dos valores.
“Trata-se de um divisor de águas entre quem apenas cumpre regras e quem transforma a gestão tributária em estratégia de negócio”, destacam Siqueira e Canale. Companhias que não se adaptarem à nova dinâmica poderão enfrentar dificuldades financeiras e operacionais significativas.
ICMS-ST: simplificação que virou desafio
O ICMS-ST (Substituição Tributária) foi criado para simplificar a arrecadação, concentrando o recolhimento na indústria com base em um preço presumido. Na prática, esse cálculo muitas vezes é superestimado, gerando cobranças indevidas.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir que empresas solicitem a devolução desses valores pagos a mais representou um avanço, mas o processo continua burocrático. A nova Portaria CAT 48, de São Paulo, endureceu as exigências para o cálculo e a solicitação de ressarcimento, impondo médias ponderadas e controles detalhados.
Para as companhias, o impacto é duplo: de um lado, há a possibilidade de recuperar créditos expressivos; de outro, cresce o risco de autuações e prejuízos financeiros em caso de erro.
Compliance fiscal ganha protagonismo
A rigidez das novas regras aumenta a necessidade de controles internos e auditorias especializadas. Um relatório da Transparência Internacional de 2023 mostra que empresas listadas na bolsa podem perder até 5% de valor de mercado em 30 dias após envolvimento em escândalos fiscais ou de corrupção.
Nesse contexto, práticas sólidas de governança e compliance tributário se tornaram indispensáveis. “O fortalecimento de processos internos, o uso de ferramentas de automação e a revisão contínua das obrigações acessórias são medidas que diferenciam quem se antecipa dos que reagem tardiamente”, explicam os especialistas.
Do controle à estratégia
As novas normas não devem ser vistas apenas como uma camada adicional de burocracia. Elas representam um teste de maturidade para o setor empresarial. Segundo Siqueira e Canale, companhias que encaram o tema de forma estratégica podem transformar compliance em vantagem competitiva, reforçando reputação, eficiência e sustentabilidade financeira.
A tendência é que o sistema tributário brasileiro caminhe para um modelo mais transparente e orientado por dados. Nesse cenário, a capacidade de transformar complexidade em estratégia será o fator que separará as empresas que apenas cumprem obrigações das que lideram o novo ciclo econômico.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também
Decisão do STF sobre ICMS pode elevar custos e mudar regras do e-commerce
Por Do Micro ao Macro
Mais da metade das pequenas empresas ainda não sabem avaliar impactos da Reforma Tributária, aponta pesquisa
Por Do Micro ao Macro



