Alberto Kopittke

Ex-diretor da Secretaria Nacional de Segurança Pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Opinião

‘Narcoterrorismo’ e a geopolítica por trás da megaoperação no Complexo do Alemão

Governos alinhados a Trump vêm fazendo movimentos para autorizar a implantação de bases dos EUA e a atuação direta de suas forças especiais

‘Narcoterrorismo’ e a geopolítica por trás da megaoperação no Complexo do Alemão
‘Narcoterrorismo’ e a geopolítica por trás da megaoperação no Complexo do Alemão
A operação para cumprir uma centena de mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho aterrorizou moradores dos Complexos da Penha e do Alemão. Quem tentou escapar pela mata caiu em uma emboscada da polícia. Até a quinta-feira 30 o governo fluminense contabilizava 121 mortos – Imagem: Mauro Pimentel/AFP, Agência Brasil, Getty/AFP e Pablo Porciuncula/AFP
Apoie Siga-nos no

[Publicado originalmente no site do Washington Brazil Office]

As motivações para a operação no Complexo do Alemão ocorrida no último dia 28 de novembro, que resultou no assassinato de 121 pessoas, estão muito mais relacionadas com a geopolítica internacional do que se pode imaginar. É urgente o governo federal proponha respostas robustas para esse tema, antes que seja tarde.

Nos últimos meses, o governo Donald Trump apresentou publicamente uma reorientação na política internacional, passando a direcionar sua gigantesca máquina de guerra para a América Latina, sob o pretexto de combater o que chama de narcoterrorismo.

Em 20 de janeiro de 2025, Trump assinou a Ordem Executiva 14157, que designou cartéis de drogas e outras organizações como Organizações Terroristas Globais, abrindo a possibilidade de atuação das forças armadas dos EUA diretamente contra essas organizações.

Poucas semanas depois, em 6 de fevereiro, o Secretário de Estado Marco Rubio oficializou a lista de oito dessas organizações — em sua maioria centro-americanas e venezuelanas — como alvos do Exército norte-americano. Em maio, uma delegação dos EUA chegou a propor ao governo brasileiro que o PCC e o Comando Vermelho fossem também reconhecidos como grupos terroristas.

O governo brasileiro, no entanto, recusou. Por meio do secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubo, afirmou: “Não temos organizações terroristas aqui, temos organizações criminosas que se infiltraram na sociedade”; e que a legislação brasileira define terrorismo de forma restrita, vinculadas a motivações religiosas ou ideológicas que atuam contra o Estado.

Ao mesmo tempo, em março deste ano, o deputado federal Danilo Fortes protocolou um projeto que tipifica as facções brasileiras como organizações terroristas. Em 27 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência deste PL, com a assinatura de 333 Deputados, permitindo que ele vá para votação direta no Plenário do Congresso.

Um dia após a Operação no Complexo do Alemão, a gestão do governador Cláudio Castro (PL) anunciou que entregou ao governo dos EUA um relatório com detalhes da atuação do Comando Vermelho, defendendo que ela seja classificada como organização terrorista e pedindo auxílio ao governo americano.

No mesmo dia, depois da operação no Alemão, o governador de São Paulo anunciou que o Secretário Estadual de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, vai se licenciar da Secretaria para assumir a relatoria do PL 1283/2025 – uma medida que tenta salvar o secretário do desgaste de uma das piores gestões da Segurança Pública de São Paulo, que desorganizou a Polícia Militar do estado e só viu os seus índices de roubos dispararem numa escala jamais vista.

Após a operação, as redes sociais inundaram-se de vídeos que associavam o Comando Vermelho à esquerda que resistiu à ditadura militar. As mensagens — amplificadas por perfis ligados à extrema-direita — acusavam o PT e o presidente Lula de apoiarem “narcoterroristas” com o objetivo de destruir o Estado brasileiro.

Ao longo dos últimos meses, governos alinhados ideologicamente com Trump vêm fazendo movimentos para autorizar a implantação de bases dos EUA e a atuação direta de forças especiais daquele país em seus territórios, como no Peru, no Equador e na Argentina, além do posicionamento da frota naval dos EUA na frente da Venezuela com o pretexto de enfrentar o tráfico de drogas.

Ao mesmo tempo, os EUA anunciam publicamente o fechamento de bases na Europa Oriental, para redirecioná-las para a América Latina, em razão das novas prioridades do governo conforme nota oficial do Exército daquele país.

Portanto, como se vê, o acontecimento no Complexo do Alemão está muito mais relacionado com movimentos geopolíticos do que se pode perceber num primeiro momento.

Como os EUA poderiam ajudar de fato

O apoio dos EUA no combate ao narcotráfico internacional é muito bem bem-vindo, com medidas concretas como dificultar a lavagem de dinheiro e o tráfico internacional de armas, especialmente fuzis. No entanto, as medidas adotadas pelo governo Trump em 2025 vão na direção contrária.

As ordens executivas “Strengthening American Leadership in Digital Financial Technology” (EO 14178), que reduziram a capacidade do Estado de rastrear transações em tempo real, criando um ambiente de maior anonimato financeiro e a Ordem Executiva “garantindo serviços bancários justos para todos os americanos”, na qual o governo determinou que os reguladores bancários devem remover a análise de risco reputacional dos critérios utilizados para analisar abertura de contas bancárias, acabaram minando ferramentas de compliance usadas para prevenção de lavagem de dinheiro, e podem gerar a facilitação da circulação de recursos financeiros ilícitos vindos de facções, cartéis e redes de narcotráfico no maior mercado financeiro do mundo.

Em relação aos fuzis, um estudo da Subsecretaria de Inteligência da PM do Rio revelou que 60% dos 638 fuzis apreendidos em 2024 pelos policiais no estado vieram dos EUA, demonstrando o quanto uma estratégia do governo norte-americano para enfrentar o tráfico internacional de armas poderia auxiliar o Brasil e os demais países latino americanos.

O que o Brasil precisa fazer

Por outro lado, realizou-se no Brasil a Operação Carbono Oculto, que atingiu o coração financeiro do PCC junto a fintechs e fundos de investimentos bilionários, realizada em parceria entre o Ministério Público de São Paulo e a Polícia Federal.

Essa operação demonstrou que as instituições brasileiras dispõem da capacidade necessária para enfrentar as organizações criminais do país. Além disso, o país possui um Sistema Penitenciário Federal robusto, de nível máximo de segurança, criado no primeiro governo do presidente Lula, e um Sistema de Justiça Federal bastante forte para que o país possa dar uma resposta efetiva a essas organizações criminais.

No entanto, apesar do sentido correto que dá para o enfrentamento ao crime organizado, tem faltado ao atual Governo Federal o sentido de urgência sobre o tema da Segurança Pública. De fato, as organizações criminais vêm crescendo e já exercem controle armado sobre 15% da população do país. Essa é uma situação crítica, que mereceria uma intensidade muito maior por parte do governo, que restringiu suas atenções à discussão da chamada PEC da Segurança.

Embora a PEC seja um instrumento importante para fortalecer a integração das forças de segurança, ela encontra um ambiente totalmente negativo no Congresso e acabou desperdiçando os últimos dois anos da gestão nacional, deixando (mais uma vez) um vazio numa agenda que a extrema-direita sabe aproveitar muito bem.

Muita coisa pode e precisa ser feita, mesmo sem a PEC. Durante o governo Lula 2, por exemplo, o país teve o maior plano de segurança de sua história, com o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), que disponibilizou recursos e programas para a entrada integrada em mais de 120 territórios violentados pela criminalidade. Ao mesmo tempo, o governo do Rio implementou com o apoio federal as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que tiveram suas limitações, mas apontaram a possibilidade de um novo tipo de estratégia muito diferente da operação realizada no Alemão, e que efetivamente buscava retirar os grupos armados dos territórios.

O fato é que o Brasil precisa de um plano para o Rio de Janeiro, estado símbolo da cultura nacional e que de fato se tornou, ao lado de São Paulo, um centro de fortalecimento da criminalidade organizada do País.

Aqui, algumas sugestões práticas que o governo poderia tomar para enfrentar esse tema de maneira robusta e efetiva:

  • criar um modelo de programa para comunidades que seja capaz de quebrar a governança criminal dos territórios pelas facções e, ao mesmo tempo, seja capaz de oferecer segurança de fato para as comunidades, envolvendo recursos de policiamento, políticas sociais (com forças tarefas dos programas federais, por exemplo), urbanismo e fiscalizações municipais, retomando os aprendizados positivos e negativos das UPPs, dos Territórios da Paz e dos Pactos Pela Paz;

  • financiar a reforma do sistema prisional do Rio (e de todo o Brasil) para cumprir as metas do Programa Pena Justa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ);

  • implementar um presídio federal no Rio;

  • ampliar o efetivo da Polícia Federal e deslocar o volume necessário de policiais federais para um plano robusto e de longo prazo no Rio, no modelo da Operação Carbono Oculto, mas numa escala muito maior, que envolva sufocar o tráfico de armas, os mecanismos de lavagem de dinheiro dos grupos organizados e a corrupção institucional;

  • criar uma Estratégia Nacional Antifuzis para enfrentar o tráfico internacional de armas, envolvendo portos, aeroportos e a inteligência de todas as instituições de segurança, justiça e das forças armadas;

  • criar um Sistema Nacional de Prevenção a Violência, com programas baseados em evidências para famílias, escolas e jovens, a ser implementado em parceria com os municípios;

  • criar um gabinete integrado de segurança permanente entre União, estados e municípios;

  • aprovar a PEC da Segurança;

  • aprovar o Projeto de Lei Antifacção;

Após 50 anos de sofrimento com a violência, a sociedade brasileira clama de maneira compreensível por respostas concretas e efetivas para o problema da segurança pública. Além disso, é urgente uma atuação mais robusta para bloquear o movimento geopolítico que tem sido feito, que utiliza esse grave problema para outros interesses.

Novamente temos uma chance, é melhor não a desperdiçar.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo