

Opinião
Velhas fórmulas, nova embalagem: a falta de avanço na regulação dos planos de saúde
A proposta da ANS sobre a política de preços nos planos de saúde coletivos repete omissões históricas e mantém desprotegido a maioria dos consumidores brasileiros
por Francineide Marinho e Marina Paullelli
A recente consulta pública da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), realizada de julho a outubro deste ano, sobre a política de reajustes de planos de saúde, aparenta um novo impulso regulatório, mas ainda reproduz antigas limitações que deixam desprotegidos a maioria dos consumidores: os que possuem planos coletivos.
Atualmente, mais de 80% dos contratos ativos no país são planos coletivos, ou seja, aqueles planos que o consumidor consegue contratar por conta do seu emprego, ao se unir a uma associação ou caso tenha uma microempresa. Sem o estabelecimento de um teto pela ANS, têm os reajustes livremente negociados entre as operadoras e as contratantes. Já os planos individuais ou familiares são firmados diretamente pelo consumidor como pessoa física e têm seus reajustes anuais definidos pela agência.
Uma pesquisa divulgada pelo Idec em 2023 concluiu que, entre 2018 a 2022, os reajustes médios aplicados aos planos coletivos foram muito superiores aos reajustes aplicados aos individuais no acumulado do período. Por exemplo, no caso dos planos coletivos com 30 vidas ou mais, o aumento da mensalidade varia até 58,94%.
A proposta da ANS traz avanços pontuais, como o aumento do agrupamento e a definição de uma porcentagem de sinistralidade meta, mas ainda não enfrenta o principal problema: a falta de transparência e de controle efetivo nos reajustes coletivos. Sem esse enfrentamento, o sistema tende a perpetuar desigualdades, beneficiando as operadoras e deixando famílias e pequenas empresas vulneráveis a aumentos sucessivos.
Outro ponto incluído na consulta pública fala do mecanismo de “revisão técnica”. A proposta sugere a adoção de critérios para autorizar um reajuste excepcional aos planos individuais, quando, eventualmente, uma determinada carteira apresentar desequilíbrio econômico e financeiro — quando uma empresa indica se tem ou não condições de ofertar o atendimento ou tratamento solicitado. Ao invés de retomar mecanismos que transferem os riscos do negócio aos consumidores, é importante fortalecer a supervisão sobre a gestão das operadoras, prevenindo desequilíbrios e evitando reajustes em cascata que comprometem tanto a organização financeira dos usuários quanto a sustentabilidade dos contratos.
No campo legislativo, as discussões sobre a regulação dos planos de saúde seguem ganhando novo fôlego, com a recente mudança na relatoria do Projeto de Lei nº 7419/2006 que passou de Duarte Jr. (PSB-MA), que apresentou sugestões positivas para os consumidores, para Domingos Neto. (PSD-CE). O momento pode representar uma oportunidade de aprimorar o debate e avançar em soluções justas. Isso só será possível se as experiências acumuladas nas últimas duas décadas forem consideradas e eventuais mudanças priorizarem a proteção dos consumidores, não pleitos históricos das operadoras. Vale mencionar a autorização para comercializar os famigerados “planos acessíveis” ou “planos populares”, que conferem a sensação enganosa de que as pessoas serão atendidas quando mais precisarem, mas, na verdade, retrocedem nos parâmetros mínimos de cobertura estabelecidos pela Lei n.º 9.656/98.
Momentos como a consulta pública e o futuro das discussões no Poder Legislativo evidenciam a necessidade de uma regulação mais abrangente e coerente com os problemas enfrentados pelos consumidores. A ANS e o Legislativo têm papel central nesse processo e podem conduzir melhorias significativas se adotarem uma postura política mais firme contra retrocessos. Caso contrário, só a regulação de preços aparentará ser “nova”, enquanto qualquer proposta de alteração da Lei de Planos de Saúde continuará sendo sustentada nas mesmas fórmulas de sempre — um modelo que, apesar da suposta renovação, segue reproduzindo desigualdades e fragilizando a confiança dos consumidores.
Francineide Marinho é advogada do programa de Saúde do Idec, especialista em Direito do Consumidor e graduada em Comunicação Organizacional pela Universidade de Brasília.
Marina Paullelli é coordenadora do programa de Saúde do Idec, além de especialista em Direitos do Consumidor e Direito Internacional. Trabalha desde 2017 com direitos do consumidor e saúde.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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