Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Os bilionários e o Estado

O seu superpoder alcançou tal dimensão nos EUA, na Europa e no Brasil que já não se pode mais falar em democracia

Os bilionários e o Estado
Os bilionários e o Estado
Consórcio. Para os bilionários do Vale do Silício, os tempos de glória começaram. A privatização do Estado está em curso – Imagem: Shawn Thew/AFP
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Querido leitor ou leitora, hoje quero fazer mais uma diatribe contra os endinheirados, mais especificamente contra os bilionários – a turma da “superbufunfa”, por assim dizer. Terei vosso apoio, com certeza. Se qualquer endinheirado já desperta a aversão do resto da humanidade, imagine um bilionário. Quando alguém encontra coragem para criticá-los ou, mais importante, para coibir de algum modo o seu imenso poder, a satisfação do povo é generalizada.

Nas mentes dos bilionários, a hostilidade dos demais é simples resultado de inveja. Na verdade, não é apenas isso. As pessoas intuem que o dinheiro acumulado em grande montante resulta quase sempre de roubo, irregularidades e maracutaias – não de mérito ou empenho pessoal. É desprezo ou revolta, portanto, não inveja.

Os bilionários atingem o seu ápice quando conseguem tomar as rédeas do Poder Público. Em outras palavras, quando reduzem o Estado Nacional à condição de “comitê executivo da burguesia”, como diziam Marx e Engels. Compram deslavadamente os políticos, no Executivo e no Congresso, e passam a dar as cartas. As leis e sua execução ficam subordinadas às suas vontades e privilégios.

Mas Marx e Engels erraram em generalizar. Depende do país. Uma coisa é o que acontece nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo. Outra, a que se vê em países como a China e a Rússia. Nesses países, o Estado não é um simples comitê executivo da burguesia. Existem os bilionários, também conhecidos como oligarcas na Rússia, mas o poder político não está subordinado a eles. Um dos grandes feitos de Putin foi tornar o Estado mais independente dos oligarcas, que foram superpoderosos no tempo de ­Boris ­Yeltsin na década de 1990, depois da dissolução da União Soviética. Na China, os bilionários são influentes, mas não podem botar as mangas de fora. Se o fazem, logo são devidamente disciplinados. Quem dá as ordens é o poder político, em especial o Partido Comunista.

Pode-se dizer que o sucesso nacional da China e da Rússia, nas décadas recentes, só aconteceu porque os bilionários foram enquadrados. Isso permitiu o rápido crescimento econômico com diminuição da pobreza, serviços públicos de qualidade e respeito ao meio ambiente. A Rússia resistiu bem às sanções ocidentais e subiu para a posição de quarta economia do mundo, pelo critério de PIB calculado por paridade de poder de compra. A China ultrapassou os EUA em tamanho econômico absoluto e continua crescendo sem parar. Tornou-se, entre outras coisas, a fábrica do mundo. Inversamente, as dificuldades estruturais dos Estados Unidos e do Brasil derivam em boa parte das distorções e injustiças decorrentes do domínio da turma da superbufunfa. Os bilionários tomaram de assalto o Poder Público e governam para si, à revelia dos interesses da maioria da população.

Entre nós, esse domínio do dinheiro alcança proporções verdadeiramente indecentes. O Congresso Nacional está fatiado em feudos dos diferentes segmentos do poder econômico. O orçamento foi esquartejado, prejudicando gravemente a qualidade do gasto público. No campo tributário, multiplicaram-se as isenções, os incentivos e os regimes especiais, criados com pouco ou nenhum critério e monitoramento. Além disso, os super-ricos contribuem pouco para a arrecadação pública, seja porque são modestas as alíquotas sobre os rendimentos elevados, seja porque as rendas do capital e a riqueza escapam à tributação. Toda vez que se tenta fazê-los contribuir um pouco mais, ergue-se na mídia o clamor contra a carga excessiva de impostos e a “voracidade do Estado arrecadatório”.

O superpoder dos bilionários alcançou tal dimensão nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil que já não se pode mais falar em democracia. O que existe é a plutocracia – o governo dos mais ricos; a cleptocracia – o governo dos ladrões; e a caquistocracia – o governo dos piores. Bem, xingar em latim é uma delícia – soa menos vulgar e, mais que isso, passa ares de erudição. Mas o ponto importante a frisar é que com o predomínio inconteste dos plutocratas, cleptocratas e caquistocratas, não há desenvolvimento possível e imaginável. Países subdesenvolvidos não escapam do subdesenvolvimento; países desenvolvidos se subdesenvolvem a olhos vistos.

Temos ou não motivos para vilipendiar a classe dos bilionários? •

Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital, em 05 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os bilionários e o Estado’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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