Fora da Faria
Uma coluna de negócios focada na economia real.
Fora da Faria
As bolhas do mercado e a ‘bolha da IA’
É provável que exista uma bolha e muitas empresas no setor não se sustentem. Mas também é evidente que a IA veio para ficar
O que define uma oportunidade de mercado? Essa pergunta simples pode valer bilhões — e a resposta quase sempre depende do fator tempo. Uma oportunidade de curtíssimo prazo faz o preço: é quando um ativo (uma ação, uma empresa ou um imóvel) se valoriza acima da média do mercado ou da inflação em questão de meses. O parâmetro pode ser a Bolsa de Valores, o preço médio do metro quadrado em uma região ou outro índice de referência. São movimentos rápidos, como uma lufada de vento: investidores entram e saem no mesmo sopro.
Oportunidades consistentes, por outro lado, dialogam com longevidade. Elas tendem a ser construídas a partir de movimentos profundos da sociedade. Quando uma coisa se confunde com a outra, surgem as bolhas.
Bolhas nascem de percepções equivocadas. É como se investidores, embriagados pelo excesso de otimismo, confundissem as bolhas da cerveja com as de taças de champanhe. O resultado é um porre coletivo: todos acreditam que ainda estão lúcidos o bastante para dirigir seus carros ou seus investimentos. O desfecho, geralmente, é um desastre.
Esses ciclos são movidos por expectativas infladas, crédito fácil e uma fé quase religiosa em um “messias” do mercado. Cria-se um culto, uma crença coletiva nos resultados futuros. Até que a euforia cede. Quando o capital volta a buscar o que é tangível, os preços despencam, deixando um rastro de prejuízos. É o ciclo clássico: deslocamento, boom, euforia e colapso, descrito há séculos por economistas, e que se repete, com novas roupagens, a cada revolução tecnológica.
O caso mais emblemático da virada do milênio foi a Bolha da Internet, ou dot-com bubble. O entusiasmo com o nascimento da web e as promessas do mundo digital fizeram as bolsas de valores americanas inflarem de maneira inédita. A Nasdaq, principal bolsa de tecnologia dos EUA, quadruplicou de valor entre 1995 e 2000, impulsionada por companhias que valiam bilhões apenas por terem “.com” no nome. Quando o mercado percebeu que boa parte dessas promessas era fumaça, a bolha estourou: o índice perdeu quase 80% de seu valor e milhares de empresas desapareceram.
Carly Fiorina, ex-CEO da marca de impressoras e calculadores Hewlett-Packard, diria mais tarde que o colapso representou “o fim do começo” — a passagem da adolescência da internet para a maturidade tecnológica. O estouro destruiu fortunas, mas pavimentou o caminho para as gigantes que dominaram o mercado, como Amazon, Google e outras que emergiram justamente desse caos. A qualidade dessas empresas não estava na tecnologia em si, mas essencialmente no que propiciavam para seus usuários.
As bolhas se sucedem. Tivemos a bolha imobiliária nos EUA, a das criptomoedas e outras menores. Agora estamos no debate sobre o mesmo fenômeno relacionado à inteligência artificial.
Desde 2023 a IA é tratada como a próxima revolução industrial, capaz de transformar negócios, governos e até a criatividade humana. O entusiasmo tem sido convertido em valor para diversas empresas e negócios.
Mas o alerta de exagero também se multiplica. O CEO da OpenAI, Sam Altman, admitiu em entrevista à The Verge: “Estamos em uma fase na qual investidores como um todo estão empolgados demais com a IA? Na minha opinião, sim.” O movimento lembra o ciclo das startups durante a pandemia: o dinheiro fácil se esgotou, e os investidores voltaram a cobrar resultados. Pat Gelsinger, ex-CEO da Intel, vê a questão com um horizonte mais elástico. “É claro que estamos em uma bolha de IA, [porém] a explosão pode levar anos.” A afirmação tem fundamento. A IA está em um ciclo de crescimento e implantação inicial. Existe muito mercado para expansão.
A inteligência artificial se popularizou num momento em que seu uso básico já está incorporado à vida cotidiana. A tecnologia é parte de processos de pesquisa, produção e serviços em praticamente todos os setores. Os usos ainda são primários e a aprendizagem está em ciclo inicial. É provável que exista uma bolha e muitas empresas no setor não se sustentem. Mas é evidente que a tecnologia veio para ficar, em um terreno já semeado pelo uso de equipamentos integrados ao cotidiano de empresas e usuários.
Pode parecer pouco. Mas vencer essa etapa de aprendizagem é um atalho facilitador que se traduz em milhões de horas poupadas. E dinheiro.
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