Entrevistas
Por que virada à direita na Bolívia não deve impactar a relação com o Brasil
Para a pesquisadora Alina Ribeiro, problemas como a escassez de combustíveis e de dólares se sobrepõem a divergências entre Rodrigo Paz e Lula
O pragmatismo exibido na campanha e a grave crise econômica a ser debelada indicam que a eleição de Rodrigo Paz, um senador de centro-direita, não deve impactar as relações da Bolívia com o Brasil. A avaliação é da pesquisadora Alina Ribeiro, do Núcleo de Democracia e Ação Coletiva do Cebrap, que acompanhou em La Paz o processo eleitoral concluído no último domingo 19.
Paz derrotou no segundo turno o ex-presidente Jorge Quiroga (direita) por 55% a 45% dos votos válidos e assumirá o Palácio Quemado em 8 de novembro.
Entre 2005 e 2020, os bolivianos elegeram apenas integrantes do Movimento ao Socialismo: três vezes Evo Morales e uma vez Luis Arce. A vitória de Rodrigo Paz encerra, portanto, um período de duas décadas de protagonismo do MAS e expõe uma esquerda rachada, com fissuras acentuadas pela impopularidade do governo de Arce, antigo pupilo e atual inimigo de Evo.
Especialmente nos últimos dois anos, a Bolívia sofre com a escassez de dólares e de combustíveis, o que ajudou a provocar uma inflação de 23% na comparação anual em setembro.
Com um programa menos radical que o de Quiroga, Paz defendeu um ajuste nas contas e um corte de mais de metade dos gastos com subsídios aos combustíveis — embora tenha anunciado a manutenção do benefício para o transporte público e outros setores críticos.
Esse cenário ajuda a explicar, segundo Alina Ribeiro, a permanência dos laços entre Bolívia e Brasil, apesar de governos ideologicamente contrastantes. “Não vejo mudanças radicais, porque a crise econômica é mais urgente e o Brasil é um parceiro estratégico na região”, afirmou a pesquisadora em entrevista a CartaCapital.
Ao parabenizar Paz pela vitória, o presidente Lula (PT) defendeu continuar a trabalhar pelas relações bilaterais e pela cooperação em temas de interesse mútuo. “A Bolívia é parceira fundamental do Brasil na construção de uma América do Sul mais integrada, justa e solidária.”
Segundo Ribeiro, Paz tende a buscar cooperação com o governo Lula para enfrentar a crise dos combustíveis e tentar conter a expansão do PCC na Bolívia, um país relevante na rota do tráfico internacional de drogas.
“Há um reconhecimento de diferenças de perspectivas — Paz já falou que pensa de forma diferente de Lula em algumas coisas —, mas acho que não haverá afastamento. Não haverá impactos fortes na relação bilateral.”
Assim, analisa a pesquisadora, Paz tende a concluir o processo de entrada da Bolívia no Mercosul e fortalecer sua condição de sócia do BRICS, inclusive para obter recursos externos. Não à toa, ele anunciou prontamente a retomada das relações com os Estados Unidos, rompidas desde 2008, no primeiro governo de Evo.
A aposta em fóruns internacionais e no diálogo com vizinhos é uma estratégia em busca de estabilidade política e investimentos. Viabilizar uma Bolívia mais sólida internamente, a propósito, é um dos desafios imediatos do presidente eleito, o que torna decisivo para o sucesso ou o fracasso de sua plataforma o futuro do MAS, de Evo Morales e da esquerda nacional.
Para Alina Ribeiro, é provável que a esquerda se unifique após perder o poder, enquanto o novo presidente tende a não atacar com veemência esse setor — em linha com a imagem que tentou projetar na campanha, com o mote de “capitalismo para todos” e resolução de problemas concretos.
Embora se desenhe a unidade da esquerda, Ribeiro entende ter se encerrado a era de Evo como líder do Movimento ao Socialismo. Ainda assim, ela ressalta a força da organização de indígenas e camponeses, base social do partido e do “evismo”. “Para Paz conseguir governabilidade e estabilidade política, terá de olhar para esses setores e reconhecer a importância deles para a política e para a sociedade da Bolívia.”
Assista à entrevista:
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