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Lítio, níquel, cobre, grafita e nióbio ganharam maior relevância geopolítica – Imagem:  Ricardo Telles/Acervo Governo do Brasil

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O que o mundo quer, o Brasil tem

Reservas de lítio, nióbio, cobre e grafita colocam o Brasil à frente na corrida por minerais estratégicos

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O sol desce sobre as serras de Minas Gerais e colore de vermelho as pilhas de minério que aguardam o transporte. Essa mesma cena pode ser vista em outras regiões, do Pará ao Rio Grande do Norte, onde o subsolo esconde riquezas que ganharam novo peso econômico. Minerais como lítio, níquel, cobre, grafita, nióbio e terras-raras ganharam mais relevância geopolítica, disputados em uma corrida mundial pela tecnologia de ponta, transição energética e soberania produtiva.

Mais que nunca as grandes economias buscam os minerais estratégicos, fundamentais para veículos elétricos, turbinas eólicas, painéis solares, baterias e semicondutores. “O Brasil tem uma posição privilegiada graças a reservas de alta qualidade, energia limpa e de baixo custo, além de um sistema de licenciamento que, mesmo desafiado, é robusto quando comparado a outros países produtores”, avalia o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante. Somam-se a isso uma força de trabalho especializada, laboratórios de pesquisa, estabilidade política e neutralidade nas relações comerciais.

O desafio do Brasil, no entanto, é decidir se continuará exportando ­matérias-primas­ ou se construirá cadeias industriais próprias. O BNDES assumiu a tarefa de catalisar esse movimento. Em 2023, fortaleceu sua capacidade de apoiar projetos de inovação e mitigação climática com o lançamento do Programa Mais Inovação e a remodelagem do Fundo Clima, alinhados à Nova Indústria Brasil, programa do governo federal. Essas bases abriram caminho para iniciativas mais ousadas.

Em 2024, o banco anunciou o Fundo de Investimento em Participações Minerais Estratégicos, em parceria com o Ministério de Minas e Energia. Ele prevê mobilizar até 1 bilhão de reais, com aporte de até 250 milhões do BNDES. O anúncio alavancou intenções de investimento do setor privado superiores a 3 bilhões de reais. Os primeiros desembolsos estão previstos para 2025. “O fundo contará com gestor independente, escolhido por chamada pública, e deverá entrar em operação nos próximos meses”, explicou João Paulo Pieroni, superintendente da área de Desenvolvimento Produtivo e Inovação. Segundo ele, a carteira deve incluir projetos em lítio, terras-raras­, níquel, grafita, titânio e platina.

O processo de seleção reuniu 12 propostas. O consórcio formado pela Ore Investments e a JGP BB Asset ficou em primeiro lugar. Para Marcelo Marcolino, superintendente da área de Mercado de Capitais, o resultado demonstrou o interesse dos investidores. “Temos um engajamento cada vez maior de atores do Mercado de Capitais e bancos privados, que buscam compreender a relação entre retornos e riscos”, afirmou.

A força desse movimento avançou em 2025, quando a Chamada Pública de Planos de Negócios para Transformação de Minerais Estratégicos recebeu 56 propostas, que somam mais de 85 bilhões de reais em potenciais investimentos distribuídos por 23 estados brasileiros. Minas Gerais liderou em número de projetos, enquanto o Nordeste concentrou o maior volume de recursos, com 18,5 bilhões de reais previstos. “Os Planos de Negócios selecionados se somam a um pipeline robusto de projetos de minerais estratégicos de elevado potencial no Brasil”, destacou Pieroni.

Lítio, níquel, cobre, grafita e nióbio ganharam maior relevância geopolítica – Imagem: Ricardo Telles/Acervo Governo do Brasil

O impacto vai além da mineração em si. Segundo José Luís Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior, “o BNDES está buscando o adensamento da cadeia produtiva que parte da mineração para agregar valor e expandir a atividade para além da simples extração. Esse é o cerne da Nova Industrial Brasil, que é uma política industrial moderna que busca, em último caso, melhorar a vida dos brasileiros com geração de renda e empregos qualificados”.

Gordon lembra também que o BNDES possui regulamentos que estabelecem diretrizes socioambientais e climáticas. Busca-se avaliar se existe diálogo com comunidades, capacitação de mão de obra, uso de fornecedores locais e apoio à diversificação econômica. “A neoindustrialização nacional tem como componente essencial o compromisso socioambiental e climático”, conclui.

O portfólio do fundo cobre dois grandes eixos: minerais para a transição energética e para a fertilização do solo. No primeiro grupo estão cobalto, cobre, estanho, grafita, lítio, manganês, terras-raras, platina, molibdênio, nióbio, níquel, silício, tântalo, titânio, tungstênio, urânio, vanádio e zinco. No segundo, fosfato, potássio e remineralizadores, ligados à produção de alimentos e à segurança alimentar. Ao financiar esses projetos, o BNDES amplia sua atuação em áreas onde a mineração pode ser a principal âncora de empregos, renda, infraestrutura e serviços.

O banco também exerce papel articulador em plataformas institucionais. Um exemplo é a Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos e para a Transformação Ecológica (BIP), liderada pelo Ministério da Fazenda com apoio dos ministérios do Meio Ambiente, da Indústria e de Minas e Energia.

O setor mineral representa cerca de 4% do PIB, com mais de 2,25 milhões de empregos na cadeia

Essas iniciativas ganharam visibilidade durante a Conferência Internacional sobre Cadeias de Valor de Minerais Estratégicos, realizada pelo BNDES em março deste ano. O encontro, que contou com participantes nacionais e internacionais de referência no setor, reforçou a percepção de que o Brasil tem condições de oferecer ao mundo minerais rastreáveis, produzidos com padrões de proteção socioambiental mais elevados e menor emissão de gases de efeito estufa.

Mas essa posição competitiva depende de escolhas. “As empresas precisam atender a critérios de captação de recursos, competência técnica e gestão de impactos socioambientais”, lembra Marcolino. O mesmo vale para a destinação de recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Pieroni destacou que parte já é destinada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), mas defende avanços. “É preciso criar instrumentos de compartilhamento de risco, como o FIP Minerais Estratégicos. A produção de minerais precisa caminhar na mesma velocidade do desenvolvimento das competências para sua transformação em produtos de elevado valor”, disse.

A demanda global por minerais estratégicos pode trazer riscos de projetos apressados, mas Gordon ressalta que a competitividade internacional depende de padrões elevados: “Governos e empresas entendem que não é possível abrir mão das melhores práticas socioambientais como fator de competitividade. Essa é uma exigência global, e o Brasil possui diferenciais estratégicos muito relevantes e que se encontram refletidos nas diretrizes da nova política industrial”.

O setor mineral já representa cerca de 4% do PIB nacional, com mais de 204 mil empregos diretos e 2,25 milhões indiretos, além de 41,7 bilhões de dólares em exportações em 2022. O ferro ainda domina o faturamento, mas é na transição energética e na fertilidade do solo que se abre a nova fronteira. A disputa entre Estados Unidos e China por cadeias de suprimento pressiona países latino-americanos a definir estratégias de médio e longo prazo – e o Brasil está no centro desse movimento.

Quando o dia termina e o pó das minas repousa sobre as estradas de terra, fica evidente que o subsolo guarda mais que minerais. Ele também guarda escolhas. Decisões que podem transformar reservas em alicerce de um novo ciclo de desenvolvimento ou assisti-las partindo, inalteradas, em navios rumo a outros destinos. •

Publicado na edição n° 1385 de CartaCapital, em 29 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O que o mundo quer, o Brasil tem’

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