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Até formigas eles comeram

Rio dos Deuses narra, em clima de espionagem e aventura, a expedição que, partiu em busca da nascente do Rio Nilo

Até formigas eles comeram
Até formigas eles comeram
Rumo à África. À frente da missão realizada pela Real Sociedade Geográfica Britânica, em 1856, estava o soldado, espião e linguista Richard Burton – Imagem: Acervo da Real Sociedade Geográfica Britânica
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Aventuras, florestas inexploradas, rios perigosos, ataques de selvagens, varíola, cólera, espionagem e traições, tudo isso em um mesmo pacote. Não se trata de um filme ou série de ação e suspense, mas do livro Rio dos Deuses, da jornalista Candice Millard, que narra a história real da disputada busca pela nascente do Rio Nilo, na África.

As pirâmides do Egito sempre fascinaram os europeus, mas a intervenção de Napoleão Bonaparte na região com suas tropas, em 1798, para bloquear o caminho terrestre dos britânicos para as Índias e enfraquecê-los comercialmente acabou elevando esse encantamento.

Com Bonaparte veio uma leva de estudiosos para mapear a cultura milenar dos egípcios, que fizeram várias descobertas, entre elas, a Pedra da Roseta, chave para a decifração da antiga escrita dos faraós, os hieróglifos.

Derrotado três anos depois pelos ingleses, Bonaparte foge do Egito e a Pedra da Roseta acaba no Museu Britânico, onde os hieróglifos foram finalmente decifrados, em 1822, por Jean-­François Champollion, abrindo as portas para mais de 3 mil anos de história.

A descoberta provocou um frenesi e um interesse por tudo que era egípcio e oriental que durou décadas, indo da arquitetura às artes, da ciência aos mitos que ainda vivem na cultura popular. Diante disso, expedições foram criadas para explorar o Egito, financiadas com o dinheiro de aristocratas vitorianos sedentos por desenterrar o passado.

Rio dos Deuses narra uma dessas expedições, organizada pela Real Sociedade Geográfica Britânica e realizada em 1856. O objetivo do grupo era resolver um dos maiores enigmas da época: encontrar a nascente do longo e imenso Nilo.

Rio dos Deuses. Candice Millard. Tradução: Pedro Maia Soares. Companhia das Letras (352 págs., 109,90 reais)

Tinha havido, anteriormente, várias tentativas frustradas de se seguir o rio a partir de seu delta. Montou-se então um plano alternativo: uma nova expedição desembarcaria na costa leste da África, abaixo da linha do Equador, e se embrenharia nas florestas.

No comando da empreitada, o soldado condecorado, espião, exímio linguista e aventureiro Richard Burton, conhecido por suas jornadas quase suicidas.

Burton foi o primeiro inglês a entrar em Meca disfarçado de árabe e o responsável por escandalizar os vitorianos com traduções do Kama Sutra e das Mil e Uma Noites. A acompanhá-lo estava o geógrafo aristocrata John Speke, mais interessado na fauna selvagem que no Nilo.

Pesquisadora detalhista, Candice Millard, que já foi jornalista da ­National Geographic, foca na relação entre Burton e Speke, mas destaca, com razão, o papel fundamental do guia Sidi Mubarak Bombay, um ex-escravizado cujo conhecimento íntimo das tribos e do terreno provou ser indispensável para a missão. Ele era, segundo Burton, a “joia do grupo”.

De perfis opostos, Burton e Speke permaneceram unidos apenas pelas dificuldades enfrentadas. Calor insuportável, fome, deserção em massa de ajudantes, ameaças dos povos locais e doenças tropicais, que provocaram, entre outras coisas, cegueira, surdez e paralisia temporárias, perduraram durante toda a viagem.

Até formigas entraram no menu para que eles não morressem de fome. No fim, os dois terminaram a expedição como inimigos mortais. O motivo? Uma traição que definiu a vida, a morte e o legado dos envolvidos. Em Rio dos Deuses, a tensão é mantida até a última linha. •


VITRINE

Por Ana Paula Sousa


O título Estranhos no Cais (Todavia, 88 págs., 64,90 reais) é revelador dos ensaios deste livro de Tash Aw. Nascido em Taiwan, filho de malaios e neto de chineses, o autor foi estudar em Cambridge e acabou por ficar na Europa. Não à toa, as questões de identidade lhe são tão caras.

Vencedor do Booker Prize de 2023, o romance A Canção do Profeta (DBA, 537 págs., 88,90 reais), de Paul Lynch, imagina um futuro nada distante, na Irlanda, em que um governo extremamente autoritário transforma a vida dos cidadãos em um pesadelo do qual não se pode sair.

O Arroz da Palma (Record, 368 págs., 129,90 reais), de Francisco Azevedo, lançado há 17 anos, ganha uma edição comemorativa cuja capa imita, em relevo, os azulejos portugueses. O protagonista é um imigrante português que narra, em tom de memória, a saga da família no Brasil.

Publicado na edição n° 1385 de CartaCapital, em 29 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Até formigas eles comeram’

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