Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

A um ano da eleição, direita tradicional deve repetir padrão estabelecido em 2018

Sem condições de protagonizar a disputa política nacional, este campo concentra esforços em manter sua força no Congresso e, sobretudo, nas prefeituras

A um ano da eleição, direita tradicional deve repetir padrão estabelecido em 2018
A um ano da eleição, direita tradicional deve repetir padrão estabelecido em 2018
O ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, deve disputar o governo da Bahia em 2026. Foto: Prefeitura de Salvador/Reprodução
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Fechando a série de textos sobre os campos políticos e as eleições de 2026, abordamos agora a direita tradicional. Atualmente, observa-se uma divisão das direitas em dois grandes campos: a extrema-direita, liderada por Jair Bolsonaro, organizada prioritariamente no PL e presente também em partidos como União Brasil, Progressistas e Republicanos; e a direita tradicional, composta por partidos e lideranças que não se alinham diretamente ao bolsonarismo, estabelecendo alianças e movimentos regionais diversos. Nesse grupo estão a maior parte do MDB e do PSD — dois dos principais partidos do sistema partidário brasileiro — além de siglas menores, como o PSDB e o Cidadania.

A um ano da eleição, o cenário para os partidos e lideranças da direita tradicional repete o padrão estabelecido em 2018, quando Jair Bolsonaro absorveu praticamente todos os votos que antes circulavam por esse campo, especialmente pelo PSDB, e consolidou a extrema-direita como o polo alternativo à esquerda unificada em torno de Lula. A partir daí, a direita tradicional tornou-se coadjuvante no plano nacional, atropelada pelo bolsonarismo. Essa dinâmica se repetiu em 2022, com as candidaturas de Simone Tebet (MDB), apoiada por PSDB e Cidadania, e de Soraya Thronicke (Podemos), e tende a permanecer em 2026.

É possível, embora pouco provável, que esse campo apresente alguma candidatura presidencial própria. Caso ocorra, tende a registrar algo em torno de 5% dos votos e ser novamente engolida pela polarização. Como consequência, tal candidatura será abandonada pelos candidatos da direita tradicional aos governos estaduais e ao parlamento, que buscarão se alinhar a um dos polos para se fortalecer eleitoralmente em seus redutos. Essa dinâmica de “cristianizar” candidaturas presidenciais sem viabilidade é antiga na política brasileira e foi atualizada na configuração atual de polarização entre democracia e autoritarismo.

Sem condições de protagonizar a disputa política nacional, a direita tradicional concentra esforços em manter sua força no Congresso e, sobretudo, nas prefeituras — espaços estratégicos de capilarização das políticas públicas, do acesso a recursos orçamentários e da sustentação eleitoral. MDB e PSD foram os campeões em número de prefeitos eleitos em 2020 e 2024. É a partir dessa hegemonia municipalista que a direita tradicional preserva sua relevância no sistema político.

Mais do que disputas ideológicas típicas da “guerra cultural”, é essa estratégia localista que cimenta a principal aliança entre a direita tradicional e a extrema-direita, expressa na captura do orçamento público por meio das emendas parlamentares impositivas. Desde a presidência da Câmara de Eduardo Cunha, em 2015, contra o governo Dilma Rousseff, a direita tradicional vem ampliando esse sequestro de recursos públicos, atingindo a atual configuração — cerca de 50 bilhões de reais em emendas parlamentares — consolidada durante o governo Bolsonaro, em troca de proteção política contra um possível impeachment na pandemia. Ambos os campos sabem que, sob Lula e a maioria da esquerda, as emendas impositivas seriam drasticamente reduzidas.

No campo ideológico, a direita tradicional prioriza, e é por isso bem-sucedida nas eleições municipais, uma estratégia centrada na gestão e na resolução de problemas concretos. Suas lideranças compreendem que a radicalização ideológica pode fidelizar a base bolsonarista, mas traz consigo a rejeição que grande parte do eleitorado manifesta em relação às posições extremistas, prejudicando o desempenho em eleições majoritárias.

Além disso, a própria direita tradicional tornou-se vítima da “guerra cultural” imposta pela extrema-direita. O caso mais emblemático foi o do coach Pablo Marçal nas eleições de 2024, assim como o do próprio Bolsonaro em 2018.

Em síntese, o campo da direita tradicional tende à fragmentação em 2026 e, conforme o contexto regional, poderá se aliar tanto à esquerda de Lula quanto à direita de Bolsonaro. Esses movimentos serão determinados pela correlação de forças local e pela ocupação prévia do espaço político de aliado estratégico do polo mais forte localmente.

Na primeira hipótese, de alinhamento pela força dos votos, estados como Paraná e Santa Catarina devem registrar o apoio majoritário ou total da direita tradicional ao bolsonarismo, enquanto na Bahia e em Pernambuco o movimento deve ocorrer em sentido oposto, com alianças mais amplas com a esquerda.

Já o caso que melhor ilustra a segunda hipótese — a da ocupação antecipada do campo dominante — é o de Alagoas e a rivalidade entre o senador Renan Calheiros (MDB) e o deputado Arthur Lira (Progressistas). Lira, um dos pilares de sustentação do bolsonarismo durante o governo Bolsonaro e apoiador de sua reeleição em 2022, pretende disputar o Senado em 2026 e sabe que suas chances aumentam se estiver no palanque de Lula. O problema é que Renan já ocupa esse espaço, o que limita a movimentação de Lira e pode forçá-lo a manter o alinhamento com Bolsonaro. Disputas locais como essa devem se repetir em vários estados e mostram a importância de observar a dimensão regional para compreender o mapa nacional da direita tradicional.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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