Daniel Camargos
Repórter especial na 'Repórter Brasil', venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog. Dirigiu o documentário 'Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia' e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.
Daniel Camargos
Mais uma vez, Lula deve escolher um homem branco para o STF
No auge da popularidade, o presidente faz, em última instância, uma opção por não tensionar


Empoderado pela recuperação da economia e pela melhora nas pesquisas, o presidente Lula (PT) soltou a mão de quem o apoiou nas ruas e nas urnas. Com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso, tudo indica que Jorge Messias, atual advogado-geral da União, será o escolhido para o Supremo Tribunal Federal.
Mais um homem branco em uma Corte que, em 134 anos, jamais teve uma mulher negra. O STF é o espaço onde se decidem os direitos sobre o corpo, o trabalho e a terra. Questões que afetam diretamente as vidas de mulheres, negros e pobres. A falta de diversidade é também uma forma de exclusão do povo.
Desde 2003, quando fez sua primeira indicação ao STF, Lula nomeou dez ministros. Entre eles, apenas uma mulher, Cármen Lúcia, e um homem negro, Joaquim Barbosa.
Em toda sua história, o Supremo teve apenas três ministras: Ellen Gracie, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Nenhuma mulher negra. A fotografia do tribunal segue praticamente inalterada desde a Primeira República: branca, masculina e distante da composição real do País.
Durante semanas, movimentos sociais e figuras públicas pediram que Lula aproveitasse a aposentadoria de Barroso para fazer história. A campanha “Ministra Negra Já!”, relançada em outubro, organizou atos em Salvador, Rio e São Paulo.
Artistas e influenciadoras engrossaram a pressão. Anitta, Juliette, Camila Pitanga, Angélica e Fernanda Torres divulgaram um manifesto dizendo que a maior democracia da América Latina não pode continuar com uma Corte quase inteiramente composta por homens brancos. O manifesto foi uma convocação moral a um governo que prometera diversidade após o período de trevas bolsonarista.
Embora as mulheres sejam 36,8% da magistratura, elas representam menos de 17% nos cinco tribunais superiores (STF, STJ, TSE e STM). Quando se aplica o recorte racial, o cenário piora: apenas 11% das juízas se declaram negras.
Os dados são do relatório Justiça em Números 2025 do Conselho Nacional de Justiça. A pesquisa mostra ainda que 77,5% das magistradas relatam barreiras culturais ou institucionais para ascender a cargos de comando. A nomeação de uma mulher negra não seria concessão, e sim reparação institucional. Um passo para aproximar o Judiciário da sociedade que ele julga. Mas Lula preferiu manter tudo como está. Decidiu por Messias em conversas reservadas no Alvorada, escutando apenas aliados próximos.
Cálculo versus gesto
A decisão por Messias foi tomada no momento em que Lula desfruta de seu melhor cenário desde a posse. A inflação caiu, o PIB cresceu acima do previsto e a aprovação do presidente subiu. Foi, portanto, uma escolha feita no conforto. E, justamente por isso, mais reveladora.
Nos bastidores, aliados justificam a escolha como pragmática. Jorge Messias é servidor de carreira, formado pela Universidade Federal de Pernambuco, ex-subchefe da Casa Civil de Dilma Rousseff e homem de confiança de Lula desde os anos 2000.
Ficou conhecido nacionalmente em 2016, no episódio do “Bessias”, quando, como subchefe da Casa Civil, intermediou a entrega de um termo de posse de Lula, segundo diálogo entre Lula e Dilma grampeado pela Operação Lava Jato e divulgada pelo então juiz Sérgio Moro.
Na gestão atual, Messias assumiu a AGU e manteve perfil discreto. Uma reportagem de CartaCapital o descreveu como “conservador moderado” e evangélico. Evita posições públicas sobre temas polêmicos como o aborto, mas afirma que decisões jurídicas não devem ser guiadas por dogmas religiosos.
Defende a regulação das apostas esportivas, a mediação em torno do Marco Temporal e a criação de um sistema de proteção social mínima para motoristas e entregadores de aplicativos. É um perfil técnico e conciliador. O tipo de nome que agrada ao Congresso e tranquiliza o mercado.
Messias representa o poder que se acomoda. A opção por ele é, em última instância, uma opção por não tensionar. Não é a primeira vez que isso acontece: a história recente do petismo mostra que, quando fortalecido, o governo tende a priorizar o cálculo político sobre o gesto simbólico.
O Supremo continuará branco e masculino. O País continuará sendo julgado por uma Corte distante do povo que deveria representar. E a base que um dia acreditou que Lula governaria para todos vai se perguntar, de novo, quando será a sua vez.
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