

Opinião
O teste no Oriente
O maior adversário da nossa Seleção em relação à Copa de 2026 é, sem dúvida nenhuma, o tempo


Depois dessa viagem da Seleção Brasileira pelo Extremo Oriente, nas circunstâncias em que se deu, a ressaca vai durar um bocado, mas o resultado da excursão pode ter sido o melhor possível. O maior adversário da nossa Seleção em relação à Copa de 2026 é, sem dúvida nenhuma, o tempo.
É de se admirar a coragem do técnico Carlo Ancelotti em assumir a Seleção nestas condições e dos dirigentes da CBF em contratar o técnico de futebol mais experiente e valorizado do momento. Agora, é encarar.
A derrota inédita para o time do Sol Nascente tem valores a serem pensados, a começar pela qualidade da sua seleção, já classificada para o Mundial, e que é muito bem organizada, como é típico dos nipônicos. Aqueles jogadores com cara de juvenis estavam bastante azeitados.
Entre eles, o camisa 10 é um cracaço à moda sul-americana, com iniciativa própria e liberdade para atuar, contrariando aquela imagem antiga de cumpridores de função que, ironicamente, têm passado para o nosso lado nos últimos tempos.
Podemos ter sido salvos da falsa ilusão da goleada contra o outro time asiático, uma onda que parece ter contaminado a Seleção após os 2 a zero sensacionais que fizemos no primeiro tempo, lá no Japão.
Mas o gol sofrido no começo do segundo tempo desestabilizou completamente a equipe. Essa quebra pode ter sido o maior ganho no processo de construção desta Seleção: afastar qualquer ideia de desatenção, trazer de volta a imagem de Nelson Rodrigues lembrando as “sandálias da humildade” e a máxima popular de que “o jogo só acaba quando termina”.
É aqui que cabe uma reflexão das mais interessantes do futebol: o tal resultado parcial de 2 a zero, um tormento na cabeça dos jogadores. À primeira vista, ele parece cristalizar uma superioridade resolvida, mas é aí que surge a situação mais intrigante do jogo: continuar igual e fazer o terceiro gol, consolidando a vitória, ou sustentar a vantagem, arriscando o que parecia certo ao sofrer um gol, algo sempre provável entre grandes adversários.
Exatamente o oposto do que ocorre com o adversário, que pode desanimar e tomar o terceiro ou se incendiar com a chance de virada – uma das coisas mais empolgantes do futebol. No entanto, a intensidade dos tempos modernos já não nos permite ver os famosos “olés” dos times seguros de si que impunham a superioridade garantida.
Entre tantas observações que a viagem propiciou, ficou evidente que Ancelotti aplicou a necessidade, insistentemente anunciada, de avaliar a personalidade e o comportamento emocional dos convocados.
Ele pôde testar diferentes formas de compor o time, por exemplo, jogar sem pontas e sem centroavantes autênticos ao mesmo tempo, compensando com muita movimentação, como aconteceu no primeiro tempo.
Outra iniciativa importante foi a de pressionar o adversário desde o início, em vez de permitir que a velocidade conhecida deles nos obrigasse a recuar e jogar em contra-ataques.
A situação criada com os três gols sofridos em menos de 20 minutos na segunda etapa atingiu até mesmo o calejado treinador, como mostrou a imagem excepcional naquele momento do jogo.
No fim das contas, foi o menor prejuízo possível. Agora é hora de colocar a “viola no saco” e tirar desse resultado doloroso as conclusões que podem abrir um novo tempo para o nosso futebol.
Era, afinal de contas, o que se buscava nesta fase de avaliações: conhecer melhor os atletas e encontrar um conjunto sólido para o próximo Mundial. Daí a conclusão de que o tempo é mesmo o nosso maior adversário.
A reação de Ancelotti – que falou em “uma boa aula para o futuro” – e dos jogadores também foi boa diante da catástrofe. O lado esquerdo da nossa defensiva evidenciou grande fragilidade, outra boa situação a ser analisada. O momento é este. Afinal, o objetivo dessa jornada era testar, não era?
A Seleção correu riscos e aprendeu. Equivocados são os que, depois do jogo contra a Coreia, anunciaram que essas apresentações já mostravam um futebol “consistente e competitivo”. •
Publicado na edição n° 1384 de CartaCapital, em 22 de outubro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O teste no Oriente’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.