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Uruguai aprova lei de eutanásia, pioneira na América Latina
O país passa a permitir a morte assistida para pacientes em fase terminal de uma patologia incurável ou que provoque sofrimentos insuportáveis


O Uruguai aprovou nesta quarta-feira 15, por ampla maioria no Senado, uma lei que autoriza a eutanásia em certas condições, uma legislação pioneira na América Latina.
A câmara alta do Poder Legislativo aprovou o texto intitulado “Morte Digna” com 20 votos a favor de um total de 31 senadores presentes. Assim, o Uruguai passa a fazer parte de uma pequena lista de países que permitem a morte assistida.
Na América Latina, Colômbia e Equador já haviam descriminalizado a eutanásia por meio de decisões judiciais, mas esta é a primeira vez na região que ela é aprovada por meio de legislação.
O debate durou mais de dez horas e transcorreu em tom respeitoso e, em alguns momentos, emotivo, ao abordar um tema que vários legisladores classificaram como “o mais difícil”.
Mas o grito desesperado de “assassinos” de uma das dezenas de pessoas que acompanhavam o debate nas tribunas interrompeu abruptamente os aplausos e abraços dos que apoiavam a lei.
Apenas um minuto de confusão que interferiu brevemente no ambiente sereno vivido no recinto parlamentar.
‘Paz impressionante’
A parte inicial do debate foi acompanhada das tribunas por Beatriz Gelós, uma paciente de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) que se tornou uma das faces do ativismo em prol da aprovação da legislação.
Com um sorriso nervoso, Gelós chegou ao Senado confiante de que a lei seria aprovada. Foi isso que ela disse em uma entrevista à AFP dias antes da votação.
“Me daria uma paz incrível se fosse aprovada. É uma lei compassiva, muito humana, muito bem escrita”, dizia Gelós.
O Uruguai cumpriu com o seu desejo ao passar a fazer parte de um pequeno grupo de países que legalizaram a morte assistida, que inclui Canadá, Países Baixos, Nova Zelândia e Espanha, entre outros.
Gelós, de 71 anos, convive com a ELA desde os 52, uma doença neurodegenerativa que causa paralisia muscular progressiva até levar à morte.
Em uma cadeira de rodas e com a voz embargada, garantiu que os que questionam a lei “não têm ideia de como é viver assim”.
Uma lei com garantias
Para o senador governista Daniel Borbonet, o texto que foi votado é “sólido” e “oferece segurança jurídica”. Em uma posição crítica à redação do documento, Pedro Bordaberry (centro-direita) considerou que é “uma lei de fomento” da morte assistida.
Ser maior de idade, cidadão ou residente e estar psiquicamente apto, em fase terminal de uma patologia incurável ou que provoque sofrimentos insuportáveis, com grave deterioração da qualidade de vida, são alguns dos requisitos.
O paciente também deverá passar por instâncias prévias antes de confirmar sua vontade por escrito.
Laico e acostumado a inovar na região na hora de legislar sobre direitos, o Uruguai acrescenta assim uma nova legislação liberal a outras aprovadas nos últimos anos, como a regulação do mercado de maconha, o casamento igualitário e o aborto.
O Colégio Médico respeitou as diversas posições de seus associados e não definiu um posicionamento diante do tema.
No entanto, assessorou em todo o processo “para ter as máximas garantias para os pacientes e os médicos”, comentou à AFP o presidente da entidade, Álvaro Niggemeyer.
A Igreja Católica manifestou “tristeza” pela aprovação do projeto na Câmara dos Deputados em agosto, e a resistência ao texto que se tornou lei transcendeu os âmbitos religiosos. Mais de uma dezena de organizações rejeitaram sua redação por ser “deficiente e perigosa”.
Para o Colégio Médico, a instância de regulamentação, posterior à promulgação do Poder Executivo, será crucial para oferecer mais certezas.
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