Do Micro Ao Macro
Falhas no financiamento aprofundam desigualdades e agravam a crise climática no Brasil
Relatório da Oxfam Brasil mostra concentração de recursos em setores poluentes e baixa destinação para adaptação e gestão ambiental.


A crise climática no Brasil expõe desigualdades raciais, de gênero e territoriais que persistem há décadas. Um novo relatório da Oxfam Brasil revela que o orçamento público privilegia setores que ampliam as emissões de carbono, enquanto áreas de adaptação e proteção ambiental recebem recursos reduzidos. O estudo “Encruzilhada Climática – Um Retrato das Desigualdades Brasileiras” analisa dados sociais, econômicos e orçamentários entre 2023 e 2025.
Recursos ambientais ficam em segundo plano
Em 2023, a função Gestão Ambiental recebeu apenas 0,34% dos recursos empenhados pela União. Isso equivale a menos de R$ 1 para cada R$ 300 do orçamento federal.
Setores com impacto direto sobre as emissões, como Agricultura (R$ 90,25 bilhões) e Transporte (R$ 43,91 bilhões), receberam volumes muito superiores. O contraste entre o Fundo Clima (R$ 10,4 bilhões) e o Plano Safra 2024/2025 (R$ 400 bilhões) reforça essa disparidade.
“Essa escolha orçamentária revela uma prioridade perversa: privilegia setores que intensificam a crise climática em detrimento da proteção das pessoas e territórios em maior vulnerabilidade”, afirma Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil.
Desigualdades ampliam impactos da crise climática
O relatório mostra que os efeitos da crise climática não atingem a população de forma uniforme. Mulheres negras, comunidades tradicionais e moradores das regiões Norte e Nordeste estão mais expostos a riscos ambientais e sociais.
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Mulheres negras recebem em média R$ 1.281 por mês, menos da metade do rendimento dos homens brancos (R$ 2.598).
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As regiões Norte e Nordeste reúnem os piores indicadores de renda e concentram populações preta, parda, indígena e quilombola, mais afetadas por secas e enchentes.
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Favelas e periferias, onde 73% da população é negra, localizam-se em áreas de risco sem infraestrutura adequada.
“Estamos diante de um racismo ambiental evidente. A crise climática escancara e aprofunda injustiças históricas. Não haverá transição justa sem enfrentar o racismo, a desigualdade de gênero e a concentração de terras”, diz Viviana.
Políticas públicas mantêm abordagem reativa
Segundo a Oxfam Brasil, a atuação do Estado continua centrada em respostas emergenciais. Um exemplo é a liberação de R$ 111,6 bilhões em créditos extraordinários para as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, em vez de investimentos preventivos.
Além disso, apenas 12% dos R$ 185 bilhões previstos no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 para ações climáticas são destinados à adaptação. A baixa prioridade dada a essa área amplia riscos para populações vulneráveis e limita a capacidade de resposta do país.
Caminhos propostos para uma transição justa
O relatório recomenda medidas para corrigir as distorções e construir uma política climática mais inclusiva. Entre as sugestões estão:
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Incluir recortes de raça, gênero e território em todas as políticas climáticas.
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Garantir participação vinculante de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais nas decisões.
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Direcionar recursos para adaptação nos territórios mais vulneráveis.
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Condicionar o crédito rural ao uso de práticas sustentáveis e à redução de emissões.
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