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Conferência esvaziada?

Além das delegações reduzidas devido à crise de hospedagem, o evento padece com a escassez de propostas

Conferência esvaziada?
Conferência esvaziada?
Desânimo. ONGs críticas à exploração de petróleo na Amazônia foram preteridas no Pavilhão Brasil. André Corrêa do Lago e Marina Silva tentam evitar um fiasco – Imagem: João Paulo Guimarães/Movimento dos Atingidos por Barragens e Antonio Cruz/Agência Brasil
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A um mês da 30ª Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, é grande a apreensão quanto à possibilidade de esvaziamento do evento entre organizadores, representantes da sociedade civil e integrantes do governo brasileiro. Não há, até o momento, uma solução satisfatória para contornar a crise logística e conter a sanha especulativa que levou os preços de hospedagem às alturas, o que já provoca a redução das delegações previstas para Belém. Agora, a presidência da COP30 corre contra o tempo para evitar um vazio ainda pior – o de propostas – em um encontro já condenado a suportar o peso da ausência dos Estados Unidos, que, sob Donald Trump, deixou o Acordo de Paris e abandonou as negociações.

O principal motivo de preocupação é o número reduzido de países que, até agora, entregaram seus novos planos de redução das emissões de gases de efeito estufa, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). Em um cenário de crise do multilateralismo, o aparente desinteresse pela agenda climática atinge atores centrais, como a União Europeia e o Japão, além de parceiros do Brasil nos BRICS, como Rússia e Índia. Isso amplia o desafio brasileiro na elaboração do relatório-síntese, documento fundamental para embasar as discussões técnicas da COP30, sem o qual os debates ficam comprometidos.

Segundo o Acordo de Paris, os compromissos climáticos nacionais, lançados em 2015, devem ser atualizados a cada cinco anos pelos 195 países signatários, algo que já ocorreu em 2020. Desta vez, embora o prazo tenha sido prorrogado de fevereiro para o último dia de setembro, apenas 56 nações entregaram suas NDCs dentro do limite. As submissões continuam chegando e, até o fechamento desta edição, somavam 62. Esses países respondem, porém, por apenas 30% das emissões globais. “Esses planos são o sistema nervoso do Acordo de Paris. É extremamente preocupante que tenhamos números tão baixos até agora, tanto de países confirmados quanto de NDCs entregues”, alerta Márcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima.

Apenas 62 países entregaram suas metas climáticas até a quarta 8, e eles respondem por apenas 30% das emissões globais

O relatório-síntese elaborado pela presidência da COP deve avaliar os compromissos apresentados pelos países e calcular a trajetória do aquecimento global, caso as metas sejam cumpridas. Hoje escassas, essas NDCs costumam apresentar metas tímidas. Para se ter uma ideia, os planos submetidos em 2020, durante a segunda rodada de atualizações, seriam suficientes, segundo os cientistas, apenas para limitar o aquecimento a 2,8°C até 2050 – cenário considerado desastroso por climatologistas.

“Sem a entrega das NDCs, não tem como estimar o impacto nem saber se o que está sendo prometido é suficiente. A ONU precisa fazer o cálculo. Melhorou? Saiu de 2,8°C e foi para qual limite? Não é algo simples, isso leva tempo”, diz Astrini.­ Em tese, o tempo hábil para a entrega das contribuições nacionais já se esgotou. “Qual resposta a COP30 dará a esta situação? Um novo prazo, uma nova cobrança? Poucas NDCs foram submetidas, e as que foram, com raríssimas exceções, não dão a resposta adequada. Temos um problema de quantidade e também de qualidade.”

A avaliação do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, é de que nenhum país deixará de participar da conferência. No entanto, o problema com hospedagens já causa uma redução significativa no número de integrantes por delegação. Muitos terão de se acomodar em residências, acampamentos ou barcos ancorados, situação que afeta especialmente organizações da sociedade civil. “Existe o risco de ONGs e movimentos ficarem de fora da COP, principalmente entidades da África e da América do Sul”, alerta Pedro Ivo Batista, coordenador do Instituto Terrazul e do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS).

Impasse. Devido aos preços abusivos praticados pela rede hoteleira, governos e entidades devem enviar um número reduzido de representantes para Belém – Imagem: Rafa Neddermeyer/COP30 Amazônia

Batista destaca que até mesmo a delegação brasileira terá sua participação comprometida e critica a condução adotada pelo governo. “Mesmo sediando a COP30, o Brasil poderá ter presença reduzida, não apenas pelos altos custos, mas também pela forma limitada como o governo tem conduzido os processos de seleção da sociedade civil”, aponta. O ambientalista lamenta que a escolha dos representantes para o Pavilhão Brasil tenha deixado de fora entidades relevantes. “Causou estranheza a inclusão de secretarias estaduais de Meio Ambiente sem compromisso com a agenda ambiental e climática, em detrimento de redes e movimentos engajados, muitos deles críticos à exploração de petróleo na Amazônia.”

Astrini, que participou no mês passado da Semana do Clima da ONU em Nova York, relata que conversou com representantes de diversas organizações sobre a COP30. “Muitas delas ou não virão, por conta dos preços de hospedagem, ou chegarão com delegações reduzidas, com menos representantes do que o planejado. Os maiores coletivos internacionais devem marcar presença, mas em formato mais enxuto”, comenta. Para Rubens Born, diretor da Fundação Esquel Brasil e também dirigente do FBOMS, as dificuldades logísticas têm sido um entrave à presença da sociedade civil. “Havia a expectativa de um número maior, mas haverá uma série de eventos, como a ­Cúpula dos Povos e a COP do Povo. Diversas organizações brasileiras e redes internacionais já estão se articulando para promover atividades paralelas à reunião diplomática oficial”, pondera.

Born avalia que o eventual esvaziamento da COP “depende menos do custo de hospedagem e mais do falso comprometimento dos países com soluções ­reais”. Para ele, há um desapontamento generalizado com a baixa adesão à atualização das metas climáticas. “É um retrato das dificuldades do sistema multilateral e das inércias e resistências de cada país em assumir compromissos efetivos. Isso independe de a COP ocorrer no Brasil ou em qualquer outro lugar”, afirma. O ambientalista lamenta que “governos de várias linhas e tendências” resistam aos compromissos: “Na Rússia, um decreto de Putin autoriza a ampliação da exploração de combustíveis fósseis. Nos EUA, Trump quer expandir a exploração e não se importa com o clima”.

“Sem negociadores, não há negociação. Esse é um princípio básico”, alerta Astrini

“Corremos o risco de ter uma COP30 esvaziada, tanto qualitativa quanto quantitativamente, com baixa efetividade em seu objetivo central: reduzir o uso de petróleo e gás para frear o aquecimento global”, alerta Pedro Ivo Batista. Diante das limitações da agenda oficial, ele aposta na força da Cúpula dos Povos e de outros espaços paralelos, como a COP da Cidadania, a Embaixada dos Povos e a Casa da Mata Atlântica, para tratar de temas negligenciados pelos governos. “Serão os espaços mais dinâmicos e participativos. Esperamos que a ONU e o governo brasileiro estejam minimamente dispostos a nos ouvir”, diz.

Diretora-executiva da COP30, Ana ­Toni afirma que 125 países entregarão ­suas NDCs até o fim do ano, conforme compromisso firmado durante a cúpula climática realizada pelo presidente ­Lula e pelo secretário-geral da ONU, ­António ­Guterres, em Nova York. “Vários países nos dizem que estão demorando para apresentar suas metas porque, pela primeira vez, elas estão sendo elaboradas a partir de um debate interministerial que envolve a economia como um todo, com levantamento de dados e baseando as NDCs em cenários muito mais bem calculados.” Segundo Ana ­Toni, isso “mostra o comprometimento com o regime climático que trabalhamos tanto para construir nos últimos 30 anos e, especialmente, após o Acordo de Paris”.

Por sua vez, Astrini espera que as entregas ocorram até o início da COP, o que ajudaria a evitar um fiasco diplomático. Para ele, “é preciso separar as coisas. Um país­ pode até enviar menos delegados, mas isso não impede o cumprimento das suas promessas climáticas”. O coordenador do Observatório do Clima reforça a importância da presença das delegações: “Os países têm de vir. Sem negociadores, não há negociação. Este é um princípio básico”. •

Publicado na edição n° 1383 de CartaCapital, em 15 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Conferência esvaziada? ‘

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