

Opinião
As mancadas dos juízes
O foco principal dessa discussão que parece não ter fim recai agora sobre a formação e a profissionalização dos árbitros


Na semana passada, a resenha era uma só: o pênalti batido com cavadinha por Yuri Alberto, do Corinthians, que o goleiro Rossi, do Flamengo, agarrou sentado. Não se falava em outra coisa. Mas, agora, o papo principal é outro, embora siga no campo, pois o futebol também gira em volta da arbitragem.
Embora o que venha verdadeiramente enchendo os nossos corações de alegria seja a participação de atletas patrícios em outros esportes, o assunto dominante destes dias tem sido o mais “maçante” de todos: as mancadas da arbitragem no futebol brasileiro.
Ultimamente, tenho viajado com o projeto “Brasil com S”, encabeçado pelo Ronaldo Isaac e apoiado pelo Sesi, que tem o objetivo de valorizar a Cultura Popular Brasileira para pessoas de todas as idades.
O programa inclui um grupo de sambistas da pesada fazendo oficina de percussão, um bate-papo comigo sobre Esporte e um show de sambas selecionados.
Nesta semana, estivemos em São José dos Campos e Campinas e, em uma das conversas, um adolescente, depois de algumas perguntas muito inteligentes, me questionou logo sobre arbitragem.
Causou-me estranheza uma pergunta daquelas, fora das relacionadas ao jogo em si, ainda mais vinda de um garoto que aparentava ter uns 13 anos.
Mal sabia eu que, no dia seguinte, o jogo São Paulo vs. Palmeiras geraria mais uma polêmica que dominaria a atenção dos torcedores. Lastimável.
Agora, o foco principal da discussão sobre esse assunto que parece não ter fim recai sobre a formação e profissionalização dos árbitros. É aquele ditado: quando a qualidade some, as mazelas sobressaem.
A situação chegou a um ponto de ruptura, e a raiz está na sequência de crises que a direção do futebol brasileiro vem atravessando, como atestam os afastamentos de dirigentes em vários períodos.
Esse desacerto também está presente nos clubes e nos jogadores. Uma prova clara está no comportamento tragicômico em campo: a cada marcação, por mais simples que seja, quase o time inteiro rodeia o árbitro, gesticulando até de dedo em riste.
Temos tido, por outro lado, a direção de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) admitindo erros, punindo árbitros e reconhecendo seu despreparo.
A pergunta continua, porém, no ar: como ficam os prejudicados? Provando que essa revolta vem de longe, me lembrei dos primórdios da minha carreira. Na altura dos meus 15 anos, no XV de Jaú, em plena crise e disputando a Segunda Divisão do Campeonato Paulista, viajávamos de Kombi.
O retorno, de noite, era dormindo no quentinho em cima do motor traseiro, só para pegar a escola na segunda-feira de manhã. Só alegria, apesar de tudo.
Penso que foi em Jaboticabal que o juiz teve o descaramento de anular, por impedimento, o gol do nosso centroavante, que chutou da intermediária. Foi um escândalo, mas era algo que estava encomendado.
Pois bem, na saída para pegar a estrada, enquanto abastecíamos a Kombi, aproxima-se o carro do trio de arbitragem que iria tomar a estrada de volta para a capital. A revolta foi tão grande que os nossos queriam descer para surrar os árbitros, que deram no pé, acelerando rapidamente.
O melhor é mudar o foco e falar do Campeonato Mundial de Atletismo Paralímpico, marcado pelo desempenho espetacular dos nossos atletas.
Um evento dessa magnitude nos ajuda a refletir e avaliar o tamanho de mudança que o esporte pode proporcionar na vida de tantos cidadãos – em qualquer situação – quanto às possibilidades de sua integração social e desenvolvimento individual.
Tendo iniciado meu trabalho como médico no Centro de Reabilitação Profissional (CRP) do INSS, acompanhei praticamente o início da valorização do esporte paralímpico e segui, desde então, muito interessado nele. Lembro-me do primeiro jogo de futebol de deficientes visuais a que assisti na vida. Foi na quadra da Escola de Educação Física do Exército, na Urca, no Rio de Janeiro.
Havia, na época, em Niterói, um trabalho pioneiro e altruísta do Uchoa, lateral-direito do América dos anos 1960 e 1970, com o futebol de amputados. Eles jogavam de muletas com o maior empenho. As fotos que registraram essa iniciativa, ainda que em condições precárias, são emocionantes.
E a outra boa notícia é que foi reeleito como presidente do Comitê Paralímpico Internacional o brasileiro Andrew Parsons, para um terceiro e último mandato. Parsons nos aponta o caminho da redenção e da valorização humana. Isso, sim, é de dar orgulho. •
Publicado na edição n° 1383 de CartaCapital, em 15 de outubro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘As mancadas dos juízes’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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