Fora da Faria
Uma coluna de negócios focada na economia real.
Fora da Faria
Metanol: Como atacar de verdade o mercado das bebidas adulteradas
O ‘Fora da Faria’ explica como funciona esta cadeia de produção. É porque é preciso levar à cadeia os envolvidos


A quantidade de reportagens que trata das intoxicações com metanol é enorme. Mas a maioria não trata do que realmente importa: políticas públicas eficientes para punir quem produz, distribui e comercializa o veneno. Para entender essa cadeia, o Fora da Faria explica como funciona esta cadeia de produção– e porque é preciso levar à cadeia os envolvidos.
A venda de bebidas destiladas envolve cadeias distintas. Parte do mercado é controlada por grandes distribuidores exclusivos das maiores indústrias, empresas que normalmente conseguem rastrear a origem dos produtos e, na maioria dos casos, ficam longe do risco de adulteração.
Outra parte, contudo, passa por pequenos distribuidores e adegas. Nestes casos, o controle sanitário é mais difícil: são milhares de pontos de venda e compras feitas por oportunidade, segundo o preço oferecido. Conscientizar e responsabilizar esses canais é fundamental. E também aumentar multas e penalidades para adegas, distribuidores, bares, restaurantes e promotores de eventos que comercializam produtos sem procedência ou sem nota fiscal.
O mesmo vale para marketplaces: ofertas abaixo do preço de fábrica muitas vezes escondem alguma coisa. Geralmente coisa ruim.
O envase de produtos falsificados tem início com a armazenagem e mistura dos produtos. É aí que entram os tonéis (conhecidos como bombonas) e embalagens plásticas reutilizadas. Essas peças são compradas com facilidade, inclusive na internet. Quase sempre, armazenaram antes produtos químicos nocivos à saúde. As bombonas retêm essas substâncias, que vão interagir com os novos conteúdos. Reutilizá-las é uma roleta russa, um crime.
A primeira providência é fazer com que embalagens plásticas que já tenham armazenado qualquer substância química sejam recolhidas pelos fabricantes e descartadas. Embora exista legislação para isso, ela não é seguida.
Outra medida é aplicar uma política de rastreabilidade para essas embalagens assim que saem dos fabricantes. A venda para reuso deve ser criminalizada. A compra, também. Quem adquire esses recipientes demonstra desinteresse pela vida dos consumidores. Embalagens plásticas que contêm produtos químicos precisam ficar sob responsabilidade de quem os produz, envasa e comercializa, e deveriam trazer inscrições de alerta, como “Proibido o Reuso – Risco de Morte” ou coisa semelhante.
Tonéis plásticos reutilizados são compradas com facilidade na internet (Foto: Wikimedia Commons)
Bebidas falsificadas e contaminadas chegam ao consumidor em vários tipos de embalagens. Em muitos lugares, são vendidas em copos — e não saem de garrafas originais — ou em garrafões plásticos e drinks prontos, práticas que facilitam a adulteração. Isso precisa ser proibido: bebida só pode ser servida a partir de sua garrafa original; quem descumprir deve ser punido.
A outra via de fraude é o vidro. Existem embalagens standard, que podem ser compradas de distribuidores e em vidrarias. Há também as embalagens exclusivas. Fabricar embalagens exclusivas é quase impossível. Um molde custa algumas dezenas de milhares de reais. Um forno, muitos milhões. É por isso que nenhuma vidraria falsifica embalagens. As garrafas usadas para falsificação são as originais, capturadas após o uso em bares, restaurantes e eventos. Há estabelecimentos que revendem essas garrafas usadas. Contra isso, casosó há uma resposta: garrafa boa é garrafa quebrada (e acondicionada de maneira correta). É preciso acabar com o comércio de garrafas usadas de bebidas destiladas. Bares, restaurantes e eventos devem destruir as embalagens de vidro, que irão para a reciclagem. Essa deveria ser uma norma de conduta. Deveria ser lei.
Há ainda as gráficas, contratadas para imprimir as embalagens, rótulos e até as tampas. Gráficas que imprimem material falsificado devem ser fechadas sumariamente. Fazem parte da mesma quadrilha.
Os eventos devem fazer cláusulas para os bares contratados para servirem bebidas durante shows, rodeios e outras atividades. Se as bebidas não forem de origem garantida, com nota fiscal e compradas de distribuidores devidamente registrados, os bares são proibidos de atuar no local. Promotores de eventos são responsáveis pela segurança de todos. Isso inclui as bebidas e a alimentação. Não vale dizer que a responsabilidade é de um terceiro. Devem, até mesmo, exigir as cópias de notas fiscais de todas as bebidas que estão entrando nas áreas de eventos. Se não agirem assim, assumindo a responsabilidade, devem ser punidos.
Promotores de eventos também têm papel-chave. Contratos devem exigir que bares e fornecedores apresentem origem garantida das bebidas, com nota fiscal e compra de distribuidores registrados. Sem procedência comprovada, ficariam proibidos de atuar no local. Promotores são responsáveis pela segurança do público, incluindo a procedência de alimentos e bebidas. Não vale dizer que a responsabilidade é de um terceiro.
Se acontece um problema em um hospital, o nome é divulgado. Se há uma briga em uma boate, idem. No caso das bebidas adulteradas com metanol, demoramos para saber os nomes e endereços dos bares. Mas é preciso dar visibilidade ao problema. Dar o nome e o endereço do estabelecimento, das distribuidoras e adegas que comprovadamente estão vendendo bebidas adulteradas é uma obrigação.
Aos fabricantes de bebidas, agora é hora de colocar a cara para fora. Divulgar seus distribuidores oficiais. Credenciar quem comercializa seus produtos. Dar os endereços de quem compra para revender seus produtos para os estabelecimentos. Colocar selos de garantia com rastreadores e com impressão de segurança, de difícil reprodução, em seus produtos.
A solução tem que ser ampla e atacar todas as etapas. Cada uma delas é parte de uma quadrilha que assalta os cofres públicos e rouba a saúde dos consumidores. E, em alguns casos, a vida.
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