A Redoma de Livros por Clarissa Wolff
‘Não escreva para homens’, diz Carmen Maria Machado, autora do Black Mirror feminista
‘Escrevo sobre a vida de mulheres porque é o que conheço, sobre o que penso, o que tenho interesse em explorar’
O ponto do marido. Aquela costurada extra que transforma a mulher em um produto de consumo um pouco melhor para o agente da sua vida, o homem. Notícias denunciando a prática repercutiram recentemente, o que casou com o lançamento de O corpo dela e outras farras, de Carmen Maria Machado, que abre com um conto sobre o tema.
“Acho que os homens da minha vida ficaram com medo de falar comigo sobre o conto”, ela diz em entrevista ao A Redoma de Livros. “Tudo bem, eu não preciso saber se eles entenderam ou não.”
Carmen, que escreve desde criança mas começou a levar a carreira a sério em 2012, na faculdade, usa e abusa de metáforas e tendências surrealistas para explorar as amarras de uma realidade atual. “Embora adorem descrever o que escrevo de diversas formas (surrealista, fantástico, horror), eu não adoto esses rótulos. Eu estou interessada em usar qualquer ferramenta para explicar aquilo que parece inexplicável”.
Leia também: Quando me sinto uma personagem de “O Conto da Aia”
Falar sobre o inexplicável de uma realidade desigual e opressora não é tarefa fácil. “Eu não acho que seja sobre coragem”, ela começa, debatendo sobre a discussão feminista que ela evoca em cada um dos contos poderosos. “Escrevo sobre a vida de mulheres porque é o que conheço, sobre o que penso, o que tenho interesse em explorar.”
As suas influências também são mulheres. Além das óbvias Ursula K. Le Guin e Margaret Atwood, Carmem cita Kelly Link, Karen Russell, Helen Oyeyemi, Shirley Jackson, Angela Carter. Escritoras famosas como Roxane Gay também elogiaram seu texto. Com influência de narrativa da televisão, o livro já foi comparado a Black Mirror e tem um capítulo inteiro de comentários sobre episódios de Law and Order. “Além da TV, cinema e video games também. A mídia sempre influencia ficção”, Carmem fala sobre seu processo.
Acima de tudo, seu livro se importa com mulheres. “Eu não posso falar de forma objetiva sobre o impacto do livro na vida das mulheres, mas eu sinto que ele está trazendo um ambiente de identificação para mulheres conversarem e escreverem sobre as próprias experiências. Isso me deixa muito animada!” E termina com um conselho:
“Não escreva para homens. Escreva as histórias que só você poderia contar.”
O CORPO DELA E OUTRAS FARRAS, Carmen Maria Machado
Tradução de Gabriel Oliva Brum
Planeta de Livros, 2018
240 páginas
R$ 49,90
CartaCapital
Há 31 anos, a maior referência progressista em jornalismo no Brasil.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.