Do Micro Ao Macro
Colonialismo sequestra a transição energética: 70% dos minerais estão no Sul Global, mas lucros seguem no Norte
Relatório da Oxfam aponta que países ricos e elites globais concentram ganhos da transição energética e ampliam desigualdades


Embora o Sul Global detenha cerca de 70% das reservas de minerais essenciais para a transição energética, como lítio, cobalto, níquel e terras raras, a maior parte dos investimentos em energia renovável continua concentrada no Norte Global (46%) e na China (29%). O resultado é que os lucros permanecem nas mãos do 1% mais rico do planeta, enquanto comunidades locais enfrentam custos sociais e ambientais. Os dados integram o relatório da Oxfam “Transição Injusta: Resgatando o Futuro Energético do Colonialismo Climático”, divulgado hoje.
Em 2024, a América Latina recebeu apenas 3% dos investimentos globais em energia limpa. Sudeste Asiático, Oriente Médio e África ficaram cada um com 2%, mesmo a África Subsaariana concentrando 85% da população mundial sem acesso à eletricidade. No caso do lítio, por exemplo, a região latino-americana detém quase metade das reservas mundiais, mas fica com apenas 10% do valor gerado por esse mercado.
Cadeias de valor desiguais
Um exemplo citado pelo estudo é a Tesla, de Elon Musk, que em 2024 obteve US$ 5,63 bilhões em vendas de veículos elétricos. Em cada unidade, a companhia lucrou US$ 3.145 — 321 vezes mais do que a República Democrática do Congo (RDC) recebeu pelo fornecimento dos 3 kg de cobalto usados por veículo. A RDC captura apenas 14% da cadeia de valor do cobalto. Caso retivesse o valor integral, poderia gerar mais de US$ 4 bilhões ao ano, o suficiente para garantir energia limpa a metade de sua população.
O relatório descreve ainda o avanço de projetos de mineração, bioenergia, hidrelétricas, parques eólicos e solares sobre territórios indígenas e tradicionais, muitas vezes sem consentimento das comunidades. Estima-se que até 60% das terras oficialmente reconhecidas de povos indígenas, equivalentes a 22,7 milhões de km² — área somada de Brasil, EUA e Índia —, estejam sob ameaça por empreendimentos ligados à transição energética.
Desigualdade energética
A concentração também se reflete no consumo. Os 10% mais ricos consomem metade de toda a energia global, enquanto a metade mais pobre da humanidade consome apenas 8%. Apenas a energia utilizada pelo 1% mais rico seria suficiente para atender sete vezes as necessidades básicas de todas as pessoas sem eletricidade no mundo.
“O verdadeiro ganho está em compreender que uma organização com funcionários saudáveis entrega mais resultados, e isso vai muito além do cumprimento legal. Ter uma iniciativa como o Vittude Awards, que reconheça publicamente os esforços e investimentos das companhias do setor, é essencial para que eles continuem”, complementa.
Para Amitabh Behar, diretor-executivo da Oxfam, a lógica atual amplia desigualdades. “Os países mais ricos e os indivíduos super-ricos estão levando a crise climática ao ponto de ruptura, extrapolando o orçamento de carbono por meio de sistemas profundamente desiguais e extrativos. Agora tentam capturar e controlar a transição energética às custas dos países mais pobres e mais vulneráveis ao clima, ampliando ainda mais as desigualdades”, afirma.
Brasil
Apesar de possuir um dos maiores potenciais para liderar a revolução verde, o Brasil reproduz práticas extrativistas. “No Brasil, essa dinâmica de colonialismo climático é especialmente perversa. Somos um país com imenso potencial solar, eólico e de biocombustíveis, além de reservas estratégicas no cenário global. No entanto, repetimos um modelo que concentra renda, explora territórios tradicionais e indígenas e deixa as comunidades locais com os custos ambientais e sociais. Enquanto grandes corporações e países ricos se beneficiam de nossos recursos naturais, milhões de brasileiros ainda vivem na pobreza energética”, alerta Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil.
Caminhos para uma transição justa
O relatório propõe mudanças estruturais para que a transição energética não repita padrões coloniais:
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Priorizar financiamento público para metas climáticas e de desenvolvimento, rejeitando modelos que socializam riscos e privatizam lucros.
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Reconhecer a responsabilidade de países ricos, empresas e indivíduos poluidores pelos danos já causados e financiar reparações.
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Reformar o sistema internacional de tributação, comércio e financiamento para permitir transferência de tecnologia, agregação de valor local e soberania industrial no Sul Global.
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Garantir respeito aos direitos humanos e trabalhistas, incluindo proteção a territórios indígenas e comunidades tradicionais.
Segundo Behar, o desafio é transformar a transição em um processo inclusivo. “Precisamos apoiar movimentos locais, indígenas, de mulheres e trabalhadores que já constroem novos sistemas energéticos baseados no controle comunitário, em economias progressistas e no cuidado ecológico. É hora de a transição servir à vida, e não ao lucro de poucos.”
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