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Spaten Fight Night: a luta, a briga e os danos (ou não) à marca

Ao ficar em segundo plano, a marca de cervejas se perdeu no ruído. Talvez seja até melhor assim

Spaten Fight Night: a luta, a briga e os danos (ou não) à marca
Spaten Fight Night: a luta, a briga e os danos (ou não) à marca
Luta entre Popó e Wanderley Silva termina em briga entre equipes. Foto: Reprodução/Combate
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No final de semana um evento esportivo dominou as manchetes. Uma luta entre o boxeador Popó e o lutador de MMA Wanderlei Silva, no Spaten Fight Night, terminou em pancadaria generalizada. Popó já havia vencido a luta quando as equipes resolveram entrar no ringue. Wanderley foi nocauteado com um soco sem luvas, segundo comentários posteriores, desferido pelo filho de Popó. A seguir outros atletas passaram a opinar sobre quem seria o responsável pelas cenas que circularam pelas redes sociais e sites de todos os tipos.

A discussão, porém, não é quem bateu em quem, mas se a marca Spaten saiu ilesa, tomou alguns jabs ou foi a nocaute depois do episódio. Essa discussão não é nova: no início do MMA no Brasil, as marcas olhavam ressabiadas para o espetáculo. Até que ele tomou conta do mundo.

Mas, diante disso, patrocinar um espetáculo assim é arriscado? Vamos por partes.

A história midiática dos esportes de combate caminha de mãos dadas com a ascensão do rádio, do cinema e, depois, da TV. Touro Indomável é um clássico. Rocky arrebata multidões. Eder Jofre foi um herói nacional. E quem dirá algo contra o impávido Muhammad Ali?

Na plateia ou diante da TV, parece haver uma espécie de “descorporificação”: os lutadores se tornam personagens, como se estivessem em cena com efeitos especiais. A espetacularização da violência diz algo sobre nós. Romanos aplaudiam leões devorando cristãos no Coliseu. Gladiadores mutilados arrancavam êxtase das multidões. O cinema projetou braços cortados por serras elétricas; a internet exibe pedaços de corpos sem pudor. Acidentes e capotamentos acumulam milhões de visualizações em páginas de sucesso nas redes sociais. Tudo isso faz parte do mesmo balaio. A plateia segue fascinada pela violência, seja encenada, seja real.

Qualquer transmissão ao vivo carrega riscos. Nas agências de publicidade circula uma anedota clássica: uma marca de ração armou uma ação em programa de auditório. Um tutor entraria com um cachorro que, ao vivo, comeria a ração. O cachorro não só recusou o alimento como “demarcou” o palco. A agência foi ingênua: fechou contrato com o tutor, mas esqueceu que no mundo canino não há contrato que valha. Ao vivo, tudo pode acontecer. Casamentos, batizados, chás de revelação, rodeios, partidas de futebol e, claro, lutas de contato. São eventos de risco por natureza.

A ameaça para a marca é calculada e mediada pelas questões objetivas de organização e segurança e as subjetivas, que envolvem o comprometimento e o bom senso de quem participa. Mas, e a plateia? Esta assiste incessantemente os acidentes em corridas de carro. Até mesmo quem não gosta de automobilismo. Repete as cenas de um jogador mordendo a orelha de outro. Pancadarias generalizadas em jogos de futebol são vistas em replay. Nenhuma marca deixa de patrocinar um campeonato quando os jogadores transformam o gramado em um ringue. O consumidor não responsabiliza a marca.

A marca, depois do vale tudo no ringue, perdeu algo? Nada. A Spaten ficou como adorno. Os comentários são sobre quem brigou. As marcas que podem perder algo são Popó e Wanderley Silva.

Nos acidentes de corridas, as marcas patrocinadoras perdem? Nos acidentes de rodeios, as marcas de cerveja foram penalizadas? Na percepção do público, a marca não é responsável. Ela patrocina um espetáculo aceito, desejado, transmitido pela maior emissora do país, com 14 pontos de audiência. Cerca de 9 milhões de pessoas impactadas na madrugada de sábado para domingo.

E ganha algo com a briga? Também não. Ao ficar em segundo plano, a Spaten se perde no ruído. Talvez seja até melhor assim: não ser lembrada pela confusão. Nesta segunda-feira, é certo que as áreas de marketing e relações públicas estão reunidas para avaliar os danos. Ganhar ou perder, nesse caso, é uma conta insana de longo prazo. O que ninguém quer é carregar nas costas um episódio mais grave envolvendo lutadores ou torcidas.

Questionar o patrocínio é inevitável. Avaliar cláusulas contratuais que prevejam penalizações em casos de incidentes também. Sem civilidade, sem grana. E talvez reste a pergunta: existem outras modalidades a serem patrocinadas?

Então, afinal, quem ganha e quem perde? Os lutadores, segundo os boatos de mercado, ganharam mais de 1 milhão de reais. Chega-se a falar em 4 milhões de reais. A emissora ganhou audiência. Os promotores podem perder patrocínios. Mas o grande perdedor é quem está lendo esse texto, seus amigos e familiares. Toda a sociedade perde com a civilidade em crise.

Falamos muito sobre valores, mas seguimos rindo e compartilhando cenas de violência. Uns fazem selfies em incêndios e acidentes, outros vibram com pancadarias em campo. Nada disso surpreende. São tempos bicudos: seguimos plateia, como os romanos, torcendo para o leão devorar alguém, desde que seja o vizinho, não nós. Indignamo-nos da boca para fora, mas no fundo fazemos o que sempre fizemos: aplaudimos. E pedimos bis.

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