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‘Vou-me embora’: Jean Paul Prates rompe com o PT após 10 anos e ensaia volta à política pelo centro

Em entrevista, o ex-presidente da Petrobras revisita sua demissão, critica ‘quermesse de megawatts’ na política energética e antecipa um cenário fragmentado e desafiador para Lula em 2026

‘Vou-me embora’: Jean Paul Prates rompe com o PT após 10 anos e ensaia volta à política pelo centro
‘Vou-me embora’: Jean Paul Prates rompe com o PT após 10 anos e ensaia volta à política pelo centro
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Jean Paul Prates está de saída do Partido dos Trabalhadores, onde milita há mais de uma década. O ex-senador e ex-presidente da Petrobras mantém conversas avançadas com MDB e PDT, siglas pelas quais pode tentar retornar ao Senado nas eleições do ano que vem.

A mudança, argumenta, não envolve ressentimentos com o PT pela forma como saiu da Petrobras, no ano passado, mas à percepção de que o processo de escolha no diretório petista no Rio Grande do Norte deixou de ser participativo.

“Fui senador, presidi a Petrobras, e ainda assim não houve consulta. Meu ponto não é buscar espaço para mim, mas defender que o processo de escolha de candidatos seja participativo, inclusive com as bases”, diz Prates a CartaCapital. “Pensei que no PT esta seria a regra. Como não foi, vou-me embora para outro lugar que seja assim.”

Dispensado da petrolífera por Lula após uma longa fritura pública, Prates atribui sua saída da Petrobras às “divergências técnicas” que ainda mantém com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia). Pontua ainda, sob a presidência de Magda Chambriard, a estatal continua a trilhar o caminho estratégico iniciado em sua gestão, embora decisões recentes tenham em sua visão, potencial de impedir a transição energética. Por exemplo, os investimentos em etanol.

Há uma crise gigantesca no setor de energia, que muita gente evita admitir

Ele também afirmou que a atual política energética virou uma espécie de “quermesse de megawatts”, com lobistas do setor garantindo seus interesses, enquanto “outros se organizam para sobreviver à sombra”. A reportagem procurou Silveira, diretamente e via assessoria de imprensa, para comentar o assunto, mas não teve retorno.

Sobre as eleições de 2026, Prates ressalta que, embora Lula seja o favorito, a oposição tende a lançar múltiplos candidatos, estratégia que poderia criar um “caos cognitivo” e dificultar a campanha do presidente. Ele defende que a coalizão de governo precisa ser planejada com inteligência, equilibrando demandas do centro político e do Centrão, sem se render ao que chama de “lobbies mais prejudiciais”.

Um desenho estratégico provável para bater de frente com a fragmentação da extrema-direita, teoriza o ex-senador, seria o lançamento de múltiplos candidatos progressistas, resultando num cenário semelhante ao das eleições presidenciais de 1989 – embora ele mesmo considere esta uma possibilidade remota.

Confira os destaques a seguir.

CartaCapital: Há rumores de que o senhor estuda deixar o PT, no qual milita há muitos anos. O que há de concreto nisso? 

Jean Paul Prates: Na verdade, estou trabalhando em três etapas: primeiro, sair do PT de forma tranquila, com o partido entendendo minhas razões. Não é por discórdia ou ressentimento. Muito menos por causa da Petrobras. Já disse várias vezes que minha saída da Petrobras não teve nada a ver com o PT; foi uma divergência com dois ministros e o presidente Lula decidiu que um de nós teria de sair.

O que acontece agora é diferente: no Rio Grande do Norte, algumas áreas do partido preferiram ocupar espaços sem me consultar. Candidaturas foram lançadas de cima para baixo, sem discussão interna, diferente do que aconteceu nas vezes em que fui escolhido para disputar o Senado ou a prefeitura de Natal, em 2020, quando conseguimos chegar ao segundo turno contra inúmeros candidatos. Cheguei à conclusão de que não há mais espaço para debate interno. Fui senador, presidi a Petrobras, e ainda assim não houve consulta. Meu ponto não é buscar espaço para mim, mas defender que o processo de escolha de candidatos seja participativo, inclusive com as bases.

Brasília 16/05/2023 – O ministro de de Minas e Energia, Alexandre Silveira e o ex-presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, durante anúncio da nova política de preços dos combustíveis. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

CC: O senhor já definiu para onde irá? MDB e PDT, por exemplo, são partidos que o convidaram…

JP: Como disse, a minha saída do PT se dará em três etapas. A primeira é agradecer e me despedir com uma carta honesta e emotiva, inclusive. Depois, vou fazer a escolha da legenda que nós vamos abraçar e ajudar a construir. E, em terceiro estágio, lá mais para frente, com a legenda, do mesmo jeito que eu tô preconizando que se faça aqui hoje pelo PT, discutir a possibilidade de uma candidatura. Isso se dará com a legenda nos convocando, nos colocando dentro de um cenário, não eu me posicionando sozinho.

Não posso dizer que estou indo para uma legenda para ser candidato a alguma coisa. Parece uma coisa meio burocrática, meio chata, mas acho que todo partido deveria ser assim. Aliás, toda a política deveria ser feita assim. Tenho minha vida profissional definida, não preciso do mandato. Então, posso perfeitamente viver sem a política. Não sou profissional da política. Vou para a política porque gosto dela. Mas considero que os partidos precisam aprender com o futebol.

Quem confia no jogador é o time de futebol. Não é o jogador que se convoca e diz onde vai jogar. Ele escolhe a sua profissão, se quer jogar como goleiro, lateral, ponta… Mas a missão de escalar o time é do treinador. Na política deveria ocorrer desta forma. É o partido quem deve verificar quem está em melhor forma para determinadas missões, seja deputado federal, estadual, senador, governo. A gente distorceu toda essa lógica ao longo do tempo, mas sempre acreditei nisso. E, no PT, pensei que esta seria a regra. Como não foi, vou-me embora para outro lugar que seja assim.

Precisamos nos preparar para a possibilidade de múltiplos candidatos contra Lula, e não apenas um

CC: O presidente Lula se encaminha para o último ano de sua gestão e o Centrão já anunciou o desembarque do governo em meio ao flerte com uma candidatura do governador de São Paulo à Presidência. Seria o momento de Lula dar uma guinada à esquerda, como defende uma ala do PT? 

JP: Aquela avaliação segundo a qual o PT ou o próprio Lula seria uma unanimidade dentro do campo da esquerda e do centro-esquerda continua valendo, mas nós não temos essa hegemonia toda para fazer uma campanha apenas ou principalmente em pautas exclusivamente da esquerda absoluta. Não estou usando termos como radical ou moderado; digo apenas que não temos hoje uma unidade completa, infelizmente.

Por outro lado, é importante diferenciar o centro e o Centrão. Por exemplo, o MDB, o PSDB e algumas siglas ou pessoas isoladas fazem parte desse espaço. Quando você diz: “Olha, eu não sou a favor de Estado mínimo, mas tampouco vejo a esquerda atual comprometida com o estado de bem-estar social”, então você se posiciona no centro, entrando em algumas pautas sem ser de direita. Existe esse pessoal do centro, e existe o Centrão, que é o fisiologismo. Nesse caso, quem dá mais leva: vão para o lado que tem mais chance de ganhar e, nos estados e municípios, fazem o que quiserem. Podem estar com o PT, com o PL, tanto faz. O objetivo é conseguir os próprios interesses ou os de quem financia a campanha, e esse é o resultado central.

Para aproximar tanto o centro quanto o Centrão, creio ser preciso fazer duas coisas: moderar posições para agradar o centro e satisfazer demandas do Centrão, que podem incluir cargos ou ganhos lobísticos legítimos, desde que sejam os “menos piores”. Me render ao pior dos lobbies seria intransigência total, não colocaria isso na mesa jamais, embora o governo tenha feito recentemente isso, inclusive na área de Minas e Energia.

Atender esporadicamente pessoas que buscam cargos ou imposições é legítimo, desde que com limites e com fiscalização adequada. Esse é o processo de coalizão necessário quando você não tem hegemonia total ou simpatia absoluta pelas suas causas. Ainda será necessário passar por esse processo, mas acredito que poderemos escolher melhor os aliados. Lula estará em posição de selecionar individualmente quem deseja compor o governo e quem quer estar junto por questões legislativas.

CC: E os desafios de Lula para 2026? 

JP: Lula é, com certeza, o favorito, mas precisamos nos preparar para a possibilidade de múltiplos candidatos contra ele, e não apenas um. No momento, o lado oposto está em aflição, tentando definir quem será o candidato. Eu, no lugar de Lula, me preocuparia com quem serão os adversários. A estratégia deles provavelmente será lançar cinco candidatos contra Lula. Em um debate, será difícil lidar com todos ao mesmo tempo. Ter apenas um candidato da direita contra Lula é o cenário mais favorável para ele, o pior é ter cinco. Essa estratégia de múltiplos candidatos tem sido usada globalmente, criando um “caos cognitivo”, que até um político experiente como Lula precisa gerenciar. Essa é a grande armadilha que eles planejam: discutir, discutir, e, no final, considerar melhor ter cinco sujeitos atacando Lula ao mesmo tempo do que um ou dois.

A dificuldade deles será escolher quem vai para o sacrifício, porque só um ganha. A ideia é levar um deles ao segundo turno e, então, tentar somar os argumentos de todos para enfrentar Lula. Esse é um cenário estratégico que ainda será desenvolvido, mas pouca gente tem essa visão, inclusive dentro do governo. Para mim, esse é o cenário mais temível. O antídoto para isso talvez seria ter também múltiplos candidatos de nosso lado, criando um cenário semelhante ao de 1989, com vários de um lado e vários do outro, até que dois se destaquem e sigam para a disputa final.

CC: O senhor sente mágoa do presidente Lula pela decisão de demiti-lo da Petrobras, no ano passado? 

JP: Não, não. Com o presidente Lula, a relação continua ótima, não há problema nenhum. Ele é um presidente que, várias vezes, me disse: “Traga para mim o que foi o conflito que nós vamos resolver nesta sala”. Ele contava que a Petrobras é objeto de discussões acaloradas na sala da Presidência há muitos anos. Como empresa listada no mercado de ações, ela tem contradições que o poder público, às vezes, não entende.

Por exemplo, quando o ministro [Alexandre] Silveira, em abril de 2023, quis anunciar por conta própria a redução do preço do combustível, o presidente chamou sua atenção, dizendo que ele não podia fazer isso, porque o mercado reage e interpretaria essa ação como interferência direta nos negócios da empresa. O acionista, que acompanha a gestão da Petrobras conforme a Constituição, não quer um sócio que dá ordens arbitrárias ao presidente da empresa.

A diretoria executiva tem flexibilidade para administrar a companhia conforme o mercado exige, não apenas o mercado financeiro, mas o mercado em geral. Não pode vir uma pessoa que não está no dia a dia da empresa e dar ordens, como baixar o diesel ou outro produto. Durante nossa gestão, focamos na construção do valor da ação, que bateu recordes históricos 10 vezes. Todas as decisões, mesmo aquelas que poderiam gerar notícias negativas — como redução de dividendos, de preços, compra de navios no Brasil —, foram planejadas estrategicamente.

Portanto, o desentendimento não teve nada a ver com questão de afeição pessoal ou confiança do presidente Lula em mim. Ele reconheceu em diversos momentos, inclusive durante discussões sobre outros assuntos, que eu estava certo, mas que havia uma situação política que ele precisava contemporizar. Chegou um momento em que, aproveitando um período delicado, prepararam o processo rapidamente, sem meu conhecimento. O presidente olhou no meu olho e disse: “Infelizmente, está esse conflito todo, esse negócio não para, vocês não conseguem se entender, vou ter que sacrificar um de vocês”.

Não há nada pessoal. Pelo contrário, continuo defendendo o governo. Há discordâncias pontuais sobre a Petrobras, mas isso é sobre gestão, não sobre o presidente Lula.

CC: Vocês já se encontraram depois da reunião que selou sua saída da estatal? 

JP: Não. Tivemos um breve encontro aqui no Rio de Janeiro, durante uma agenda oficial, mas estava tudo muito corrido e não procurei mais contato. Embora pessoas próximas ao presidente tenham ligado uma vez querendo conversar, depois não busquei mais porque ele passou por um período em que ficou doente. Depois disso, achei que não havia necessidade de insistir, já que o governo segue em frente. Mas, pelas minhas posições e por tudo que tenho feito em geral, fica claro que não estou chateado com o presidente, e ele também não tem razão para estar chateado comigo.

CC: E quanto a Rui Costa e Alexandre Silveira, que o senhor considera os pivôs da sua demissão? Pensa em perdoá-los? 

JP: Não é questão de perdoar. Mas sigo discordando desses assuntos, e, aos poucos, as coisas estão mostrando que a crise no setor de energia é real. Hoje, há uma crise gigantesca acontecendo, que muita gente evita admitir. Se você perguntar a qualquer pessoa minimamente séria do setor de energia se está satisfeita com a gestão do Ministério de Minas e Energia, a resposta é não. É um caos total.

A única coisa que anda minimamente bem são as questões sociais, como energia e gás para o povo, enquanto o resto do setor está em desordem. Parece que o importante é agradar o presidente, fazer o que ele quer, e o restante cada um defende o seu quinhão, como disse o próprio ministro [Alexandre] Silveira. Virou uma espécie de quermesse de megawatts: quem se aproxima mais do ministro, quem tem a voz mais alta, quem faz o lobby mais eficiente leva seus interesses, e os outros se organizam para sobreviver à sombra.

Isso, na minha opinião, não é a forma correta de fazer política energética. O setor de energia exige integração, planejamento e inteligência, e não disputas internas. Política energética em um país como o Brasil, com tantas fontes disponíveis, não deve ser guerra por espaços, mas sim gestão coordenada e estratégica.

CC: Qual avaliação o senhor faz da gestão de Magda Chambriard à frente da Petrobras? 

JP: Basicamente, a empresa continua andando no mesmo trilho. Agora, tem algumas decisões que eu considero equivocadas. Por exemplo, houve um movimento de voltar a focar na produção de etanol, o que acho errado. O setor de etanol não precisa da Petrobras na produção, mas sim nos canais de venda e na viabilização de mercados. Mais importante é a Petrobras continuar investindo no coprocessamento do diesel. Temos uma patente exclusiva em que se coloca óleo vegetal cru em uma refinaria, e do outro lado sai diesel puro, sem biodiesel, sem borra, sem perecibilidade, algo que deveria ser mais explorado.

Outra decisão que lamentei foi a postura em relação à energia eólica offshore. Considerar deixar para começar apenas em 2030 ou 2035 é um erro. Não estamos falando em instalar um parque eólico amanhã, mas, para atingir o objetivo em 8 a 10 anos, é necessário trabalhar desde já. Durante nossa gestão, iniciamos parcerias para desenvolver turbinas nacionais e pleiteamos áreas marítimas para estudos junto ao Ibama, preparando a Petrobras para essa transição. Anunciar que ficaria fora desse segmento até 2035 não era necessário, a empresa poderia continuar avançando nesse sentido sem comprometer seus investimentos em pré-sal, petróleo ou gás.

Não há conflito entre investir no presente e preparar o futuro. É possível conduzir os projetos gradualmente, de forma racional, sem comprometer o caixa nem os investimentos atuais. O offshore, por sua experiência, permite à Petrobras liderar também na transição energética, incluindo hidrogênio verde e biometano. Isso vale para os combustíveis.

A empresa, sendo especialista em diesel e gasolina, está melhor qualificada para desenvolver misturas que substituam parcialmente os combustíveis fósseis, sem depender da produção de etanol. Portanto, vejo três eixos fundamentais como caminhos estratégicos, configurados na nossa gestão, para manter a Petrobras como líder global e ao mesmo tempo preparada para a transição energética.

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