Política
Fronteira industrial
A região atrai 127,8 bilhões de reais em propostas de investimento no setor, quase 13 vezes mais que o previsto


Com crescimento acima da média nacional, o Nordeste ocupa papel de destaque no projeto de neoindustrialização do governo Lula. Uma chamada pública específica para os nove estados da região, dentro do programa Nova Indústria Brasil (NIB), reservou 10 bilhões de reais em recursos federais e recebeu 246 propostas, que somam 127,8 bilhões de reais – quase 13 vezes o valor disponível. Segundo o BNDES, um dos principais financiadores, esse orçamento inicial é apenas o ponto de partida. A meta é atender toda a demanda apresentada, respeitando os limites orçamentários de cada banco público envolvido. Além do BNDES, participam do esforço o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste (BNB) e a Finep, com apoio técnico da Sudene e do Consórcio Nordeste.
A transição energética lidera o número de propostas, com 54 projetos que somam 15,3 bilhões de reais em crédito solicitado. Em seguida vêm a bioeconomia, voltada à produção de fármacos, com 44 propostas (5,4 bilhões de reais previstos); o hidrogênio verde, com 32 projetos (54,3 bilhões); e o setor automotivo, incluindo máquinas agrícolas, com 40 iniciativas (25,2 bilhões). Já a indústria de data centers verdes apresentou 35 propostas, ao custo estimado de 16,9 bilhões de reais. Entre todas as iniciativas, quase 90% envolvem empresas de pequeno e médio porte, 73% contam com parcerias com instituições de ciência e tecnologia, e cerca de 30% são desenvolvidas em consórcio com outras empresas.
“Para quem duvida da nossa capacidade, respondemos com projetos que são o futuro da indústria brasileira. Estamos diante de um ponto de virada, com o Nordeste se consolidando como a maior fronteira de investimento do País”, afirma Rafael Fonteles, governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste. “Nosso compromisso é para que todos os projetos consistentes sejam atendidos, mesmo que, para isso, seja necessário elevar os valores inicialmente alocados para essa chamada. Sob orientação do presidente Lula, o BNDES está de mãos dadas com o Nordeste para transformar boas ideias em oportunidades concretas”, acrescenta o presidente do banco de desenvolvimento, Aloizio Mercadante.
A previsão é de que a seleção final ocorra até 28 de novembro deste ano e, para as empresas aprovadas, os planos de suporte conjunto devem ser realizados até 15 de janeiro de 2026. Uma vez selecionados, os projetos serão encaminhados aos bancos, conforme o perfil de cada proposta e a disponibilidade de recursos das instituições financeiras. “Cada banco vai aportar seus próprios recursos na operação. O chamamento é um filtro, mas a regra do negócio é de cada instituição, que vai atuar de acordo com a sua fonte de financiamento”, explica Hugo Queiroz, superintendente do BNB em Pernambuco. Segundo ele, a unidade estadual dispõe de 1,1 bilhão de reais para apoiar o setor industrial até 2026.
O BNDES pode ampliar recursos para atender projetos mais consistentes
Nesta primeira chamada pública, a Bahia lidera em número de propostas, com 63 iniciativas e previsão de 39 bilhões de reais em crédito, seguida pelo Ceará, que apresentou 38 projetos, totalizando 24,7 bilhões. Pernambuco registrou 37 propostas (7,1 bilhões de reais), enquanto Rio Grande do Norte e Maranhão somaram 17 projetos cada um – com previsão de 1,6 bilhão e 24,7 bilhões de reais, respectivamente. Da Paraíba vieram 15 iniciativas (671 milhões de reais); de Alagoas, 13 propostas orçadas em 4,2 bilhões; mesmo número apresentado pelo Piauí, com demanda de 9,2 bilhões em investimentos. Sergipe registrou 11 projetos, com financiamento estimado em 11,8 bilhões de reais. Outras 22 propostas, que somam 4,4 bilhões, foram apresentadas em consórcios interestaduais.
Para a economista Tânia Bacelar, referência nas pesquisas sobre desenvolvimento e infraestrutura regional, o Nordeste representa um diferencial no atual projeto de neoindustrialização do País – ao contrário de outras regiões, que vêm sofrendo com a perda de vitalidade industrial. “O Nordeste seguiu uma trajetória distinta: ganhou peso relativo no Valor de Transformação Industrial do Brasil, passando de 7,5%, em 1995, para 10% em 2020, e atraiu indústrias estratégicas nesta nova fase do setor, como a farmacêutica e a automotiva”, afirma. Segundo ela, a tendência é que os estados nordestinos continuem crescendo acima da média nacional.
“Em 2025, o Nordeste deve registrar um crescimento acima da média nacional, com avanço de 2,2%, ante o 1,9% previsto para o PIB do País. No longo prazo, entre 2027 e 2034, a projeção da Consultoria Tendências é de que a região ganhe ainda mais protagonismo, com uma taxa média de crescimento de 3,2% ao ano – também superior à estimativa nacional, de 2,3%”, diz Bacelar. “Os estados nordestinos têm se destacado por reunir setores econômicos muito fortes, capazes de impulsionar o projeto de reindustrialização nacional, como o da transição energética, que apresenta enorme potencial para a geração de energia limpa e renovável”, acrescenta Queiroz. “Além disso, contamos com uma logística estratégica: estamos mais próximos de mercados como América do Norte e Europa, e dispomos de uma estrutura robusta de portos e aeroportos. São condições que devem acelerar ainda mais a industrialização do Brasil.” •
Publicado na edição n° 1381 de CartaCapital, em 01 de outubro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fronteira industrial’
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