Cultura
O que se sabe sobre impasse entre Nunes e a gestora do Theatro Municipal após o caso Charlie Kirk
O estopim da polêmica foi uma postagem sobre a morte do ativista de extrema-direita
A Sustenidos, organização responsável pela gestão do Theatro Municipal de São Paulo desde 2021, pretende recorrer do processo de rescisão do contrato anunciado no último sábado 20 pelo prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB).
Desde 2011, quando a Prefeitura criou a Fundação Theatro Municipal de São Paulo e adotou o modelo de administração por meio de Organizações Sociais (OSs), a crise deixou de ser exceção e passou a fazer parte da rotina da casa de ópera. Pelo desenho institucional, a Fundação deve ser gerida por uma entidade privada escolhida em chamamento público. Na prática, porém, o arranjo tem se mostrado frágil: em mais de uma década, nenhuma das OSs contratadas conseguiu levar seu acordo de gestão até o fim.
Desta vez, contudo, o estopim para o rompimento do vínculo foi a publicação na internet em que um funcionário da Sustenidos criticava a comoção pela morte do ativista de extrema-direita Charlie Kirk, nos Estados Unidos. Pedro Guida, que trabalhava como gestor de elencos, compartilhou em seu perfil pessoal um vídeo com a mensagem de que “não se deve chorar por um trumpista”, acompanhado da comparação com a postura de nazistas.
A postagem ganhou tração após ser compartilhada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que entrou em contato com Nunes para solicitar o desligamento imediato de Guida. A ação fez parte de um movimento maior, orquestrado por parlamentares e ativistas de extrema-direita para “punir” opositores que criticaram Kirk ou celebraram sua morte.
A escalada da polêmica ocorreu na semana passada quando a Sustenidos se negou a acolher um pedido expresso de demissão. A recusa fez com que Nunes elevasse o tom e demandasse a rescisão do contrato com a organização social, alegando haver notificações recorrentes do Tribunal de Contas do Município sobre irregularidades no vínculo desde 2023.
“Solicitamos que a organização demitisse a pessoa, mas ela não o fez. Portanto, pactuou com esse comportamento. E quem pactua com violência não serve para prestar serviço à prefeitura”, justificou Nunes ao G1.
Em 2023, o TCM havia determinado o lançamento de um novo edital, após o contrato ser considerado “legalmente viciado desde a origem” por falhas na avaliação das propostas, ausência de comprovação de experiência mínima e problemas na execução da proposta do orçamento.
Em nota conjunta enviada na sexta-feira 19, a Secretaria Municipal de Cultura e a Fundação Theatro Municipal informaram ter recebido um novo ofício do tribunal, com um prazo de 48 horas para informar sobre a abertura de chamamento público para a contratação de uma nova organização mantenedora. Na segunda-feira 22, a Secretaria também confirmou que já foi efetuado o pedido de cancelamento do contrato atual com a Sustenidos. A partir da data, a mantenedora tem quinze dias para recorrer da decisão.
O que diz a Sustenidos
Em nota, a Sustenidos afirmou considerar a publicação de Guida inapropriada e incompatível com os valores éticos que orientam o trabalho da instituição, o que motivou a abertura de um procedimento no Comitê de Ética para apurar o caso “em toda a sua complexidade, de forma a possibilitar a análise de riscos, garantir o devido processo, o contraditório e a ampla defesa”.
A defesa da organização destaca que as opiniões de Guida, embora passíveis de críticas, não se enquadram em discurso de ódio. Ressalta ainda não haver comprovação de prejuízo objetivo e nexo causal entre a postagem e o suposto dano à imagem do Theatro.
Para a Sustenidos, os termos do contrato deixam clara a autonomia gerencial que a possibilita decidir sobre o desligamento de seus colaboradores.
Sobre as pendências com o TCM, declarou que tramita na corte um questionamento à prefeitura devido ao processo licitatório, apresentada por uma organização que perdeu a concorrência.
Em resposta, apoiadores da gestão Sustenidos criaram um abaixo-assinado pressionando Nunes a cumprir o contrato com a mantenedora até o fim da vigência. Internautas destacam a excelência da agenda de espetáculos executadas nos quase cinco anos da Instituição frente ao Theatro Municipal, além da conservação do espaço histórico na capital paulistana.
“A Prefeitura não hesita em colocar em risco um trabalho de revitalização que vem sendo feito há anos, com excelentes resultados. Quer quebrar o contrato antes do fim e colocar alguma entidade de sua escolha para gerir o equipamento, sem o devido chamamento público. Isso colocará em risco a programação já contratada, afetará os públicos e colocará o Theatro em situação de instabilidade”, diz trecho do abaixo-assinado.
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