Cultura
Um sopro de vida na iminência do fim
Um Toque Familiar, ganhador de três prêmios no festival de Veneza, é um retrato maduro sobre a velhice
A estreia da diretora norte-americana Sarah Friedland no longa-metragem, com Um Toque Familiar, foi contemplada com três prêmios no Festival de Veneza de 2024: o Leão do Futuro, concedido ao melhor filme de estreia, o prêmio de Melhor Direção na seção Orizzonti e o de Melhor Atriz para Kathleen Chalfant.
Na quinta-feira 18, pouco mais de um ano após essa bem-sucedida estreia mundial, o filme chegou aos cinemas brasileiros, com distribuição da Imovision, que há décadas traz ao País títulos premiados nos principais festivais europeus.
Sarah, que tem 33 anos, nos oferece um retrato muito maduro do processo de envelhecimento. A personagem por ela criada, Ruth, é uma mulher com grande apreço pela culinária, zelosa de sua imagem e de sua casa e que, na velhice, começa a perder a memória.
O tema da demência e do Alzheimer, que se espraia pela produção cultural na mesma proporção do envelhecimento populacional, ganha em Um Toque Familiar algo de autêntico. Há um frescor na forma como Sarah filma: ela parece captar aquela realidade como algo triste, mas também natural.
A atuação de Kathleen Chalfant, que tem 80 anos e uma trajetória respeitada no teatro e na televisão nos Estados Unidos, contribui fortemente para esse resultado. A dúvida que ela empresta ao olhar da personagem carrega muito da dúvida que ronda todos os que convivem com um quadro demencial: o que, da memória, da personalidade e do desejo, resta naqueles cuja presença vai se esvaindo em vida?
Assim como o diretor brasileiro Gabriel Mascaro busca fazer em O Último Azul, Sarah Friedland empenha-se em produzir um novo imaginário audiovisual em torno do corpo velho, expondo-o e explorando-o – no melhor sentido.
A indústria de cinema já criou até um novo termo para definir esse tipo de filme que procura dar conta das descobertas na velhice: coming-of-old-age, uma adaptação da expressão coming-of-age, usada para filmes que mostram o processo de amadurecimento dos jovens.
Boa parte da história de Um Toque Familiar se passa numa confortável – e dispendiosa – casa de repouso, na qual a protagonista terá de aprender a conviver com um grupo que, assim como ela, perdeu aquilo que o ser humano talvez mais preze: a autonomia.
No material de divulgação, lê-se que a diretora, no processo de desenvolvimento do projeto, realizou oficinas com residentes de uma clínica, tendo transformado alguns deles em cocriadores do longa-metragem.
Talvez venha daí o sopro de vida que, a despeito das perdas e da proximidade do fim, os personagens exalam. •
Publicado na edição n° 1380 de CartaCapital, em 24 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um sopro de vida na iminência do fim’
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