Cultura
Escritores boicotam feira literária após prefeito censurar participação de Milly Lacombe
Jornalista e escritora lésbica teve sua participação na FLIM cancelada após repercussão de declarações sobre modelo ‘tradicional’ de família
Quatorze dos vinte escritores convidados para palestrar na 11ª Festa Litero Musical (FLIM) anunciaram sua saída do evento como forma de protesto após o prefeito de São José dos Campos, Anderson Farias (PSD) cancelar a participação da jornalista Milly Lacombe nesta terça-feira 16 sob alegação ‘político-ideológica’. Além dos convidados, a equipe de curadoria comunicou a saída da feira e repudiou o ocorrido.
Nas redes sociais, Farias anunciou o cancelamento da apresentação de Lacombe afirmando que os espaços públicos “não serão usados como palanque contra a família e valores da cidade”.
O cancelamento ocorreu após a repercussão nas redes de declarações dadas pela jornalista ao podcast Louva a Deusa, no fim de julho deste ano, com críticas ao modelo tradicional e família.
“Esse negócio de família tá fudendo a gente. Família é um núcleo produtor de neurose. Essa família tradicional branca, conservadora, brasileira. Gente, isso é um horror. É a base do fascismo”, diz Lacombe em trecho recortado e divulgado por páginas e influencers de direita.
A jornalista participaria da mesa de abertura da 11ª edição da FLIM na noite de sexta-feira 19, ao lado do escritor Cuti e do também escritor e jornalista Xico Sá com o tema “Os outros no Brasil ontem e hoje”.
Em vídeo divulgado nas redes sociais, Milly admite ter concedido a entrevista ao podcast, mas que a fala viral foi tirada de contexto. A escritora também relata que desde então sofreu ameaças de extremistas e que a participação na FLIM seria um risco para a própria segurança, mas vê como uma derrota o fato de efetivamente não poder participar do evento.
Veja a lista de escritores que cancelaram a participação no evento:
Mesa 1 – Os outros no Brasil ontem e hoje
Xico Sá (cancelou)
Cuti (cancelou)
Milly Lacombe (foi cancelada)
Mesa 2 – Entre nós
Joice Berth (ainda não retornou ao questionamento de CartaCapital)
Luiz Ketu (cancelou)
Helena Silvestre (cancelou)
Mesa 3 – Outras gerações
Vitor Martins (ainda não retornou ao questionamento de CartaCapital)
Jessica Anitelli (cancelou)
Maria Carolina Casati (cancelou)
Mesa 4 – Outras histórias
Julio Pimentel Pinto (cancelou)
Crithiano Aguiar (cancelou)
Tânia Rivitti (cancelou)
Mesa 5 – O outro em nós
Christian Dunker (cancelou)
Micheliny Verunschk (cancelou)
Maria Carolina Casati (cancelou)
Mesa 6 – Outras Palavras
Noemi Jaffe (cancelou)
Calila das Mercês (ainda não retornou ao questionamento de CartaCapital)
Bia Mantovani (cancelou)
Mesa 7 – Enceramento
Marisa Orth (cancelou)
Adriana Ferreira Silva (cancelou)
Em nota, a equipe de curadoria também anunciou a saída da feira e repudiou a decisão tomada por Farias. “É com muita indignação e revolta que nós, curadoras da 11ª FLIM, comunicamos a nossa retirada da curadoria da festa. […] Justamente em uma edição que propusemos discutir a alteridade, a convivência com o outro e a importância do fazer coletivo, uma decisão arbitrária inviabiliza a nossa continuidade no projeto. Enquanto trabalhadoras da cultura que prezam pelo diálogo, pelo pensamento crítico e escuta ativa, nos sentimos desrespeitadas com essa decisão e decidimos, coletivamente, por encerrar nossa participação no festival”, destaca.
Diante o cancelamento quase integral dos convidados que compõem a programação da feira, CartaCapital questionou a organização se o evento será mantido e haverá o anúncio de uma nova programação, mas ainda não obteve retorno.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.