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O que é necessário para a criação de um Estado palestino?
Cada vez mais países reconhecem a existência de um Estado palestino. Esse processo, porém, é cheio de obstáculos, já que não há tratado internacional ou regulamentação que defina quem tem direto a esse reconhecimento


Aliados tradicionais de Israel estão cada vez mais reconhecendo, ou se preparando para reconhecer, a existência de um Estado palestino.
A questão dos territórios palestinos é o ponto central do atual conflito entre Israel e o grupo islamista Hamas na Faixa de Gaza.
As recentes iniciativas de nações como Austrália, França, Canadá e, potencialmente, o Reino Unido rumo ao reconhecimento de um Estado Palestino – se juntando a cerca de outros 150 países – não necessariamente resultarão no fim da guerra ou trarão segurança às fronteiras territoriais.
Isso porque, assim como ocorre em muitos outros casos, o reconhecimento de um Estado não é um processo simples.
O que caracteriza um Estado?
Existem Estados de todas as formas, tamanhos e estruturas; 193 são atualmente membros plenos das Nações Unidas. Contudo, o fato de não ser membro pleno da ONU não impede um Estado de participar das funções da entidade, de se juntar a outros organismos internacionais e de ter missões diplomáticas.
O reconhecimento da ONU também não é uma condição obrigatória para ser um Estado.
Um das orientações mais simples para se chegar à condição de Estado está na Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados – a Convenção de Montevidéu – de 1933. O texto relaciona quatro critérios: limites territoriais definidos, população permanente, governo que seja representativo dessa população e capacidade de aderir a acordos internacionais.
Em alguns casos, se diz que um Estado passa a existir quando é reconhecido por um número suficiente de pessoas fora de seu próprio território.
Embora o reconhecimento não seja uma parte literal das convenções internacionais, Gezim Visoka, acadêmico de estudos sobre paz e conflitos e especialista em condição de Estado na Universidade da Cidade de Dublin, na Irlanda, afirmou que isso pode ocorrer efetivamente por meio de outras medidas.
“O reconhecimento é crucial para que um Estado funcione, exista internacionalmente, celebre acordos internacionais, se beneficie de tratados internacionais, de proteção contra anexações, ocupações e outras formas de intervenções arbitrárias do exterior”, explicou Visoka. Dessa forma, “se encontra em uma posição melhor do que se não fosse reconhecido.”
Como se tornar um Estado-membro da ONU
O reconhecimento da condição de Estado ou o cumprimento dos critérios de Montevidéu não leva automaticamente à admissão na ONU. Esse processo exige que um candidato cumpra várias etapas: uma carta ao secretário-geral da ONU, uma declaração formal aceitando as obrigações aos membros previstas na Carta da ONU e o apoio do secretário-geral.
Em seguida, o candidato deve obter o apoio dos membros do Conselho de Segurança da ONU. Isso significa que devem votar a favor do candidato nove dos 15 membros do Conselho, incluindo todos os cinco membros permanentes: China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos. Historicamente, essa é uma barreira difícil de ser superada pelos candidatos, mesmo aqueles com alto nível de reconhecimento.
Kosovo, Saara Ocidental e os territórios palestinos estão entre os que possuem amplo reconhecimento, mas que não são membros plenos da ONU.
“Quando Montenegro e Croácia aderiram à ONU, eles tinham menos de 70 reconhecimentos”, disse Visoka. “A Palestina tem quase 150, Kosovo tem 118 ou 119, e Saara Ocidental tem mais de 50 reconhecimentos.”
Se essa barreira for ultrapassada, um candidato precisará então receber a maioria de dois terços dos votos de todos os membros da Assembleia Geral da ONU.
Nesta sexta-feira 12, a Assembleia Geral apoiou a criação de um Estado palestino ao votar a favor de uma resolução não vinculante que acata a solução de dois Estados entre Israel e Palestina.
A decisão veio um dia após o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, endossar um plano para dobrar a população das colônias judaicas na Cisjordânia ocupada e afirmar que “não haverá um Estado palestino”.
O texto foi aprovado por 142 votos a favor, 10 contra e 12 abstenções. Além de Israel, países como Argentina, Paraguai, Hungria e EUA rejeitaram a resolução.
Vantagens e desvantagens
Além dos 193 Estados-membros, existem dois observadores permanentes nas Nações Unidas: a Santa Sé e os territórios palestinos. Eles têm acesso à maioria das reuniões e documentações da ONU e mantêm missões na sede da entidade.
Não ser membro pleno da ONU não impede sua participação em outros órgãos. Os palestinos, por exemplo, têm o direito a comparecer perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Ocorre também de Estados há muito reconhecidos resistirem a aderir à ONU. A Suíça passou 56 anos como observadora permanente antes de finalmente aderir como membro pleno em 2002.
No entanto, os benefícios de ser membro na ONU são evidentes, implicando efetivamente em um reconhecimento de fato, garantindo a integridade de sua soberania em caso de não-reconhecimento por um ou mais Estados, e uma base para a equidade, independentemente do tamanho e da força.
“Por outro lado, a não filiação é realmente complicada”, disse Visoka. Os não filiados “não tem o mesmo acesso a agências e programas, podendo ficar exposto a maus-tratos, isolamento e relações comerciais e econômicas desiguais.”
O mesmo ocorre com o risco de perda de território. O especialista citou exemplos recentes do Saara Ocidental e de Nagorno-Karabakh.
Falta de ordenamento jurídico
Os Estados podem ainda enfrentar desafios mesmo sendo reconhecidos por outros, como ocorre com os territórios palestinos e o Kosovo.
O fato de não terem recebido aprovação para se tornarem membros plenos da ONU “não os torna menos Estados do que outros Estados”, disse Visoka. Ele, no entanto, observou que o reconhecimento é um processo flexível e fluido.
“Infelizmente, o reconhecimento continua sendo a parte mais fraca do direito internacional. Não há um tratado, não há regulamentação sobre quem é um Estado, quem tem o direito de reconhecer outros Estados e quais entidades são candidatas ao reconhecimento e à condição de Estado”, disse Visoka.
“Isso é definido caso a caso. Nem todos os Estados têm uma política de reconhecimento unificada, então eles improvisam, se adaptam e mudam.”
Isso pode gerar violência e conflitos, à medida que os Estados lutam para obter reconhecimento e legitimidade aos olhos das outras nações. Exemplos recentes disso foram os surgimentos do Kosovo e do Sudão do Sul.
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